Samantha Cordeiro
Maldita hora para ficar doente! Por mais que eu estivesse me esforçando para demonstrar que estava bem, meu corpo parecia ter sido atropelado por um caminhão. Eu sequer conseguia me levantar da cama. E o pior de tudo era ter que lidar com Marcelo depois do mico que paguei. Mas que homem teimoso dos infernos! Por que ele insistia em cuidar de mim daquela forma?
Minutos depois de ele ter saído do quarto, voltou com uma pequena bandeja contendo alguns remédios, um termômetro e um copo de água em cima. Sentou-se na beira da cama e me olhou muito sério, como um profissional de saúde avaliando um paciente.
– Abra a boca – ordenou, para que eu colocasse o termômetro.
Sentei-me e encostei no espaldar da cama sob seu olhar profundo e atento. Fiz como ele havia me pedido, abrindo a boca, e ele colocou o termômetro de mercúrio em completo silêncio. Ninguém conseguia encarar ninguém; havia um certo constrangimento no ar, e eu tinha certeza de que tinha a ver com o episódio dos seios.
– Trinta e oito – disse, após retirar o aparelho da minha boca e conferir. – Vou te dar um antitérmico, e se a febre não baixar, vou precisar te levar ao médico, queira você ou não.
Bufei zangada, cruzando os braços na frente do peito.
– Você não pode mandar na minha vida, Marcelo.
– Só quero o seu bem-estar, entenda isso.
O avaliei por um tempo, vendo-o abrir uma cartela de comprimidos e pegar um. Logo em seguida, ele me entregou, juntamente com o copo de água que estava na bandeja.
– Você não me disse a verdade, não é? Você amava muito a minha mãe, não a amava? E, isso foi bem além da adolescência, não foi?
Ele ficou em silêncio, guardando a pequena cartela com os paliativos na caixa.
– Eu sempre nutri muito carinho por ela – respondeu brevemente. – Essa coisa de amor é uma bobagem – resmungou meio bravo.
– Isso não é verdade – retruquei irritada.
– É claro – resmungou. – Agora tome esse remédio.
Coloquei a pílula na língua e dei um gole no copo d'água.
– O que te fizeram? Hein? O que aconteceu para você ficar assim, sentindo aversão dos mais belos sentimentos da vida?
Ele riu ironicamente.
– Você também é jovem, não sabe o que está dizendo... No dia que sofrer a sua primeira desilusão amorosa, vai acabar como eu...
– Então é isso... você sofreu uma desilusão amorosa?
Ele respondeu com silêncio. Seus lábios estavam fechados e seu olhar era duro.
Não sei o que deu em mim, mas senti a necessidade de estender a mão e tocar na curva do seu queixo, subindo em direção à sua mandíbula, deslizando os dedos entre os pelos.
– Desistir é o caminho mais fácil, mas se tentar novamente... talvez você consiga acertar. Não deve desistir do amor por causa de alguém que não soube te corresponder como merece.
Ele levantou o olhar em minha direção, confuso, surpreso e reflexivo.
– Você não entenderia, menina...
– Se você não me contar... – continuei tocando levemente o contorno do seu rosto e mantive a voz em tom baixo, calmo, de uma forma que ele se sentisse à vontade para conversar comigo. – Você pediu para que eu confiasse em você, e eu estou tentando, mas você também precisa confiar em mim.
E como um gato em busca de carinho, ele fechou os olhos, umedeceu os lábios e depois me olhou com um semblante mais suave, prontamente compartilhando sua história.
– Depois de perder sua mãe para o seu pai, fiquei sozinho por longos anos, remoendo o amor que não tivemos a oportunidade de vivenciar. Foi nesse período que conheci Alessandra, a mãe de Clarice. Ela me encantou à primeira vista, uma mulher aparentemente recatada, que sempre me proporcionou momentos de alegria. Nos casamos e tivemos nossa filha, mas em algum ponto da nossa trajetória, o amor que eu lhe ofereci não foi suficiente. Ela me traiu com outro e nos abandonou. Anos depois, ela retornou exigindo dinheiro e outras coisas. Como parte de um acordo, cedi-lhe todo o dinheiro que ela solicitou, em troca de abrir mão de ver nossa filha. Por necessidade de ter alguém para cuidar de Clarice, contratei uma babá há alguns anos. Nós nos envolvemos, mas a relação não deu certo. Ela se revelou apenas uma oportunista. Desde então, decidi fechar as portas do meu coração para qualquer sentimento.
– Marcelo... – murmurei seu nome em um tom suave. – Acredite, a culpa não é sua. Você é um homem maravilhoso, tanto para Clarice quanto para Adelaide, e agora para mim...
Ele me olhou com um pequeno sorriso.
– Fico feliz que você pense assim.
Compartilhamos um sorriso, e ele fechou os olhos, deixando sua mão repousar sobre a minha enquanto eu acariciava sua barba com ternura.
Entretanto, lembrei-me do constrangedor episódio em que meus seios ficaram à mostra e, rapidamente, retirei minha mão de seu rosto, fazendo-o abrir os olhos e romper o transe.
– Marcelo... – pronunciei seu nome com uma ponta de timidez.
– Sim, o que é?
– Durante a chuva... lá fora... você viu alguma coisa... – apontei em direção ao meu peito, circulando o dedo ao redor.
Ele olhou na direção dos meus seios, abriu a boca sem emitir som e tentou disfarçar, mas o constrangimento estava estampado em sua face.
– Ver... alguma coisa? Eu? – gaguejou, ajeitando-se na cama enquanto suas bochechas coravam. – Não. Não vi nada. Eu deveria ter visto algo?
– Não! Não. Não era para você ver nada.
Ficamos em um silêncio constrangedor até que ele se levantou da cama.
– Espero que esteja se sentindo melhor, eu...
– Marcelo – o interrompi. – Fica aqui comigo até eu pegar no sono.
Ele me olhou com carinho e assentiu.
– Claro.
Ele voltou e sentou-se ao meu lado na cama.
Aconcheguei-me no meu travesseiro, sentindo-me melhor. Talvez saber que Marcelo confiava em mim o suficiente para compartilhar seus traumas do passado fosse um incentivo para que eu também confiasse plenamente nele.
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O preço da Liberdade
Storie d'amoreCom o desaparecimento súbito de seu pai, Samantha Cordeiro se vê na residência de Marcelo Medeiros, um enigma de homem cujo passado sombrio está intrinsecamente conectado ao dela. Em meio a um turbilhão de temores e suspeitas, um amor inesperado flo...