Capítulo 10

1K 121 0
                                    

Marcelo Medeiros

Penélope havia sido contratada para cuidar de Clarice. Era uma jovem de vinte e poucos anos, aparentemente tímida e bondosa – ela conseguiu disfarçar muito bem. Com olhos azuis arregalados e pele pálida, possuía uma aparência angelical perfeita.

Quando bati os olhos na babá da minha filha, me apaixonei no primeiro minuto. Levou algum tempo até que nos envolvêssemos romanticamente. Eu jurava que daria certo, até permitir que Clarice a chamasse de mamãe – era indescritível o sorriso da minha filha quando a via. Porém, tudo não passou de um erro.

Penélope ficou comigo tempo suficiente para que eu confiasse inteiramente nela. Ela já sabia as senhas dos meus cartões de crédito, a senha do cofre da casa e muitas outras coisas relacionadas aos meus bens. Nunca imaginei que ela pretendia fugir carregando as joias que pertenceram à minha falecida mãe. Ela estava comigo apenas por interesse, um golpe frio e calculista.

Assim como a mãe de Clarice, Penélope me decepcionou. Ela levou não apenas as joias, mas também toda dedicação e fidelidade que minha filha e eu depositamos nela. Embora eu tenha recuperado as joias, meu coração ficou estilhaçado.

Eu só queria que aquela vigarista apodrecesse na cadeia.

Saí da biblioteca o mais rápido que pude; só o fato de ouvir aquele nome me angustiava.

Sem saber para onde ir, entrei na cozinha e observei que em cima da mesa havia a metade de um sanduíche junto com um copo de leite.

Abri a geladeira e peguei uma garrafa d'água. Quando me virei em direção à porta, vi Adelaide em pé, usando sua camisola larga e pantufas nos pés.

– Desculpe, fiz muito barulho? Te acordei? – perguntei.

A doce e gentil senhora me olhou com um certo brilho nos olhos.

– Imagina, filho. Eu estava lá deitada na minha cama, ouvindo você tocar. Que melodia maravilhosa! A muito tempo você não toca assim com tanta paixão. Existe algo... Ou melhor... Alguém inspirando você? – perguntou sorrindo sugestivamente.

Devolvi o sorriso com carinho ao analisar suas rugas e cabelos brancos. Adelaide era uma pessoa muito especial para mim e estava sendo fundamental na criação de Clarice. Com ela eu poderia conversar sobre tudo, sabendo que meus segredos estariam a salvo.

– Não existe nada e nem ninguém me inspirando. Somente senti o desejo de tocar – respondi.

E, de repente, Samantha entrou na cozinha, passando pelas portas se inclinou na ilha da cozinha e pegou o copo de leite e o prato com sanduíche.

– Oi. Desculpe, isso é meu – disse ela, constrangida, se retirando da cozinha.

Fiquei ali parado, segurando a garrafa d'água, observando os quadris proporcionais de Samantha, sua cintura fina e seus cabelos alongados que caíam sobre suas costas enquanto ela deixava a cozinha.

Um riso me trouxe de volta à realidade. Olhei para Adelaide e deixei meus pensamentos de lado. Ela puxou uma cadeira da mesa e se sentou, observando-me atentamente.

– O que está rindo? – perguntei, pegando um copo e enchendo-o com água.

– Essa menina é bonita e educada. Acredito que Clarice vá aprender muito com ela. Afinal, é bom que a menina tenha uma figura feminina para se espelhar que não seja de uma velha.

Sorri para Adelaide.

– Você não é velha, Adelaide. Apenas madura. A idade é apenas um número. O que importa é a sabedoria que acumulamos ao longo dos anos.

– Ah, valha-me Deus, filho! – protestou Adelaide, zangada. – Eu já cansei de dizer que comigo a pequena só vai aprender a cozinhar. Ela precisa de uma pessoa como a menina Samantha, jovem, vigorosa... E sinceramente, já está na hora de você abrir seu coração para o amor. E não me diga que não sente o mínimo de atração por essa moça, pois sei bem como é a cabeça dos homens.

Neguei com a cabeça enquanto bebia a água. Depois de saciar a minha sede, coloquei o copo na pia e olhei na direção de Adelaide, levantando uma sobrancelha.

– Você tem razão, ela é uma moça muito bonita, mas não foi por isso que a trouxe.

Adelaide me estudou com desconfiança.

– Então, por que seus olhos brilham quando a vê?

Me encostei na pia, cruzando os braços, enquanto observava os olhos de Adelaide, que pareciam me conhecer mais do que eu mesmo. A verdade era que ela estava certa. Samantha despertava algo em mim, algo além da atração física. Era uma conexão especial, que eu não esperava encontrar nela.

– Talvez haja algo mais do que eu estou disposto a admitir – respondi, com um sorriso tímido. – Mas, por enquanto, prefiro manter as coisas como estão. Quero proteger Clarice e garantir que ela tenha uma infância tranquila, sem complicações amorosas. E quanto a mim... bem, o amor pode esperar um pouco mais.

Adelaide assentiu com um olhar compreensivo.

– Você sabe o que é melhor para você e para a pequena. Mas não se feche completamente para as oportunidades que a vida traz. O coração tem suas próprias razões, meu querido, e às vezes é preciso arriscar para encontrar a verdadeira felicidade.

Refleti sobre as palavras de Adelaide, e ela parecia ter razão. Samantha realmente era uma jovem belíssima, mas eu não podia confundir as coisas, entre nós havia um abismo de diferenças.

– Samantha é muito jovem, e ainda está sofrendo com a perda do pai, sua vida está em risco e desde que a vi, senti que deveria protegê-la, ampará-la e...

– Cuidar dela, não é? – Adelaide completou minha frase. – Sei que você é um bom homem e vai fazer isso muito bem, filho. Só tome cuidado para não confundir isso com seu passado ligado a Leonor.

Adelaide sorriu, levantou-se da cadeira e colocou a mão no meu ombro, lançando-me um olhar que transmitia confiança. Em seguida, deixou a cozinha, deixando-me imerso em meus pensamentos.

Eu sabia que ela estava certa. Era importante cuidar de Samantha, protegê-la, mas também precisava tomar cuidado para não permitir que minhas experiências passadas influenciassem nossas interações. Era um equilíbrio delicado que eu precisava encontrar.


O preço da LiberdadeOnde histórias criam vida. Descubra agora