Era de noite quando José Bernardo estava passando pelos Arcos da Lapa e chegando aos prédios históricos visivelmente depredados e cheios de pichações. Odiava o que faziam com a história tão nobre e culta da sua cidade, o Rio de Janeiro. Bernardo era amante de história e aquelas construções do período colonial eram sublimes e muito melhores do que os arranha-céus que poluíam a visão das belezas antigas. No bairro onde morou na infância — o Botafogo, um dos cartões postais da cidade — era muito urbanizado e pouco poderia admirar o Pão de Açúcar ou o Cristo Redentor. Quando finalmente conseguiu sua liberdade financeira e libertou-se da amarra mágica de seus pais, juntou dinheiro o suficiente para comprar uma casa de três andares no bairro de Santa Teresa.
Infelizmente — ou felizmente, dependendo de como alguns enxergam isso — sua casa foi usada para a criação do Recanto das Libélulas, e se transformou em um dos principais points de encontro para bruxos cariocas. Parte disso, ele admitia ser feito de Inês Sandenberg, a bruxa que quis um dos andares para alugar.
— Não alugo nenhum dos quartos, quem dirá um andar inteiro... — disse ele na época que Inês apareceu na sua porta, há uns seis anos atrás — Cai fora daqui, menina.
— Senhor... acredito que será por uma boa causa. Posso lhe apresentar um mundo diferente se me deixar alugar um andar.
E literalmente, mudou. Bernardo conheceu A Arca, seu atual modo de vida, seu tudo, suas bênçãos e rezas. Antes de conhecê-la, sua vida era tão irrisória e sem graça que, talvez, ficaria como os seus pais: velhos rabugentos que ganhavam um salário de fome trabalhando como escrivães no Ministério da Magia. Sua irmã se deu um pouco melhor... virou desfazedora de feitiços no Gringotes e vive fora do país. Melhor assim. Ela não estava pronta para ouvir a verdade, e com certeza, ficaria chocada se soubesse.
Bernardo tinha um misto de ódio e gratidão por Inês. Achava a bruxa bonita — os cabelos castanho-escuros ondulados e cheios de apliques coloridos, os vestidos translúcidos que pareciam vitrais com estampas de flores variando do vinho para o azul cobalto, os olhos sempre carregados com uma maquiagem preta e as íris turquesa tão únicos que era uma de suas marcas registradas — mas a diferença idade entre eles era o maior empecilho. A Arca até fazia gosto de uma relação entre os dois, só que Inês o odiava e dava para perceber isso. O achava repulsivo, truculento e mal educado, indigno de frequentar o seu bar respeitado. Seria bom se aqueles hipócritas de merda que iam naquela espelunca soubessem que o dono da casa era tudo isso que a organizadora pensava.
Subindo o morro, já via as casas tombadas dos vizinhos e do outro lado da rua o que sobrou da área arborizada se misturando com o som das vozes dos frequentadores. Mas também escutou gritos. Inês parecia estar expulsando dois arruaceiros do bar. Se tinha uma coisa que Bernardo não tinha do que reclamar era a ética que Inês mantinha com o estabelecimento. Odiava bêbados, arruaceiros, brigões e assediadores. Pelo menos, a casa mantinha-se limpa, o que ele prezava bastante.
— Saiam. Saiam daqui. — dava para ouvir os gritos de Inês de longe, e dois bruxos bêbados recebiam feixes de luzes azulados que saíam das mãos dela — E não voltem nunca mais.
Os bruxos, que de tão bêbados, mal conseguiam se levantar ou sentir dor em suas carnes. O álcool fazia o efeito anestesiante, e eles ficaram estirados no chão. Ninguém se importou com eles. Bernardo mesmo só olhou com desprezo. Tipinhos destes são inúteis a causa. Nunca iriam ver o que é tão belo em seguir A Arca.
— Expulsando alguns arruaceiros? — Bernardo lhe deu um sorriso de deboche.
— Não enche o saco, Duran. — Inês pegou algo de seu enorme robe brilhante e, praticamente, jogou em Bernardo. Parecia com um controle remoto — Blackpink quer falar com você. Parece bem irritado...
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Apenas em Sonhos
FanficJoanne Snape, a sexta filha de Severo Snape, descobriu estar sendo vigiada pela Arca. Uma espécie de "entidade", que sabe tudo sobre sua vida, e a de sua família. No entanto, quando retorna a Hogwarts para o seu segundo ano, além de descobrir um pod...