♡ cap.1 - o que acontece depois do "felizes para sempre"?

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Não tem cobras no porão, Rapunzel repetiu para si mesma ao girar a maçaneta e dar de cara com a sua sala de estar. A bagunça continuava lá — caixas da mudança ainda por desempacotar, o travesseiro e o lençol que trouxera porque sabia que não aguentaria caminhar até o quarto quando chegasse do trabalho, um telescópio desmontado e mais um monte de aparelhos da faculdade abandonados no canto, sem perspectiva de funcionalidade naquela pequena casa.

Ela jogou as chaves no balcão, que começava na parede da cozinha e ia até à sala, depois jogou-se no sofá. Avistou a louça acumulada na pia, mas não faria nada a respeito, de jeito nenhum. Suas pálpebras pesavam como chumbo, seu corpo implorava por alívio.

Ouviu o sibilar das cobras e sentiu seus corpos esguios se movimentando, dançando um sobre o outro naquelas formas serpentinas que as cobras fazem. Foi a primeira coisa que sentiu ao voltar àquela casa, junto com a brisa de início de verão que vinha das janelas e o frescor da nostalgia, as mesmas paredes e os mesmos móveis de três anos atrás, um pouco desgastados, mas iguais. Foi uma sensação sobreposta, como se ela fosse espetada por um espinho enquanto ouvia uma ótima notícia.

Não era impossível ter cobras no porão, Matt raramente ia lá limpar, a temporada de chuvas poderia tê-las atraído e Rapunzel lembrava de ter lido alguma coisa sobre a migração das serpentes e o aquecimento global. Mas ela sabia que não havia nada ali senão pó e os brinquedos surrados da sua infância — soube disso antes de chamar o Controle de Animais, porém precisava ouvir da boca de alguém que não o Matt que "não, senhorita, não tem nenhum animal selvagem ali, mas recomendo que fique atenta a possíveis ratos."

Ela sabia que era um delírio porque ninguém nesse mundo sente o movimento das cobras abaixo do piso. Ninguém ouve o barulho da troca de peles. Ninguém, ninguém além dela tem essa estranha certeza que enfrenta qualquer pensamento racional. Era reconfortante estar ciente que um delírio era um delírio, claro, mas nem sempre a força bruta da lógica era suficiente para calar as vozes e os barulhos na sua cabeça.

Ela fechou os olhos.

Lá embaixo, o ninho de cobras se calou. Elas voltariam amanhã, e amanhã certamente seria um dia tão desgastante quando hoje.

O trabalho no Grill, até então, era a única opção. Havia procurado vagas na prefeitura, mas o Prefeito Lockwood não era seu fã número um e não acreditava em sua capacidade... bem, de fazer qualquer coisa.

Mas Rapunzel precisava pagar as contas, e agora que estava morando com Matt, o valor delas aumentaria. Ela trabalhava no turno vespertino e noturno, seu irmão ficava com o vespertino. Costumava fazer hora extra à noite, porém Rapunzel não queria que ele assumisse essa responsabilidade nas férias de verão. A temperatura agora era quente, úmida e preguenta, tipicamente virginiana, e o Donovan mais novo merecia se divertir com os amigos.

Acordara às seis, para chegar uma hora antes do seu horário e consertar um probleminha na encanação; tinha uma esperança ingênua de conquistar a dona e conseguir o cargo de gerente. "Me dê contabilidade", ela havia implorado, depois de perguntar se eles estavam contratando. Mas, ao invés disso, recebeu um uniforme um número abaixo do seu, um bloco de notas e uma ordem objetiva: "Não assuste meus clientes."

Ela não questionou. Estava decidida a se manter na linha, a se manter , e o sucesso desse projeto dependia de sua habilidade de ignorar. Assim, tardes e noites desde o dia em que foi contratada — o seu segundo de estadia —, ignorou os comentários, os risos, os dedos apontados para ela, os pedaços de comida que ela sabia — e isso não era um delírio — que estavam jogando em sua direção. Nesse tempo, gostaria que seu rosto permanecesse inexpressivo, insondável, mas vez ou outra isso saia do seu controle e ela esboçava uma expressão estranha.

Rapunzel • N. MikaelsonOnde histórias criam vida. Descubra agora