Diante de uma monotonia absoluta, nada parecia real. As horas e os dias se fundiram em uma única viagem cuja paisagem era sempre a mesma.
Para Rapunzel Donovan, a família Mikaelson era amável, protetora e generosa. Elijah e Rebekah eram amigos fiéis e se esforçavam para fazê-la se sentir segura e arrancar pequenas alegrias em seu momento de tristeza.
Depois da conversa sobre os abusos que sofreu no passado, Rapunzel ficou ainda mais silenciosa, quieta, trancada em si mesma. Klaus permitiu sua reação, mas se manteve o amante dedicado que se ser mostrou desde o início, e no mesmo dia ela reiterou que não estava com raiva dele, que, apesar de sua atitude de investiga-la ser errada, ela estava contente que ele o fez. Porque queria que ele soubesse mas não suportaria contar, e tampouco suportaria se ele a olhasse diferente depois de saber. "Não há nada a se envergonhar", ele dissera.
"Eu sei que eu não deveria ter vergonha, mas eu tenho. Meu corpo foi invadido. É uma dor que às vezes parece me queimar. Foi há muito tempo, sim, mas..." – e ela deixou as palavras soltas.
"Algumas pessoas acham que a simples passagem do tempo cura todas as feridas. Elas são tolas. Quanto mais profundo é o corte, mais difícil é a cicatrização. Leve o tempo que precisar."
"Você vai ficar comigo? Sempre e para sempre?" – ela perguntou isso mais de uma vez.
"Sempre e para sempre", ele repetia com uma convicção consoladora.
Rapunzel vinha demonstrando uma insegurança difícil nos últimos dias, duvidando de si mesma como não fazia desde o início da relação deles. Mas ele compreendia suas dúvidas. Como poderia julgá-la quando ele próprio tinha suas inseguranças? Na noite que Elijah o avisou que ela havia descoberto sobre os vampiros, ele se sentiu estraçalhando por dentro, sensação que piorou ao saber como isso acontecera. Ele ainda tinha medo de ser abandonado, e esse medo era devastador. Para sua sorte, sua família provava a cada século que a lealdade entre eles era inabalável e Rapunzel... bem, ela o amava e era capaz de amá-lo, confrontando dez séculos de traumas e crueldade.
Ele faria qualquer coisa que ela quisesse. Isso era um perigo, mas, com sorte, Rapunzel não tinha grandes pretensões. Ela sempre se apegou às alegrias pequenas; segundo ela, aquelas tão pequenas que ninguém quereria roubar.
Nessa manhã calorosa, o dia de Rapunzel começou com uma consulta de rotina. Ela não gostava que Klaus a esperasse dentro da clínica, considerando sua audição sobrenatural, então ele aproveitou para comparecer a uma das reuniões do Conselho. Não sabia o que era mais entediante – espera-la ou ouvir ladainhas burocráticas sobre a cidade. "Mil anos e você ainda não aprendeu a ter paciência?", ela comentou uma vez. "Eu prefiro moldar o mundo à minha vontade", foi sua resposta.
Felizmente, o doutor Mauri era pontualíssimo, e Rapunzel saiu da clínica às onze e meia, sem atraso. "Ele disse que eu estou melhor", ela disse, um sorriso quase se formando no rosto. Ao entrar no carro, complementou: "Não me sinto assim tão melhor."
"Você passou por um trauma, é compreensível que sua mente esteja embaralhada. Mas, veja, hoje você tomou banho sozinha. E até a semana passada, você mal conseguia comer."
Ela espremeu os olhos. "Eu emagreci muito, ele disse isso também. E ele disse que eu preciso cuidar melhor da minha alimentação. Ah, e praticar exercícios físicos. Tudo que uma pessoa funcional faz pra manter a saúde em dia. Só que parece bem mais difícil do que deveria parecer ser."
"Você descobrirá que os momentos reais são vibrantes. O resto simplesmente desaparece."
Rapunzel assentiu, mordendo os lábios. Apesar de sua frase espirituosa, era perceptível que ele estava de mal humor. "Eu... ãn... Perguntei ao doutor Mauri a possibilidade de me internar."
Ela estudou a reação dele com cuidado, mas encontrou somente um vago aborrecimento. "Essa possibilidade não existe."
"Ele disse que não é necessário", balbuciou.
"Ótimo, tire essa ideia absurda da sua cabeça. Nunca vou trancar você numa instituição."
Rapunzel suspirou em inesperado alívio. Recostou-se contra a poltrona, observando a paisagem que conhecia tão bem. "Bem, às vezes... pessoas como eu precisam de assistência especializada."
"Eu contrataria um hospital inteiro para nossa casa antes de deixar você longe de mim."
Ela abraçou a si mesma. Klaus não percebeu que, sensível como estava, seu tom rude a machucou mais do que ela mesma esperaria. Ela não entendia porque ele estava falando como se brigasse com ela. "É que... não é justo que você cuide de mim o tempo inteiro. Se posso... bem, um dia, talvez... eu posso ficar bem pior do que agora. Nunca mais me aconteceu, mas já tive crises tão tã-ão horrível-veis. Isso é nada comparado a elas. Episódios psicóticos. Eu não... não quero aborrecer você. E a sua família. Vocês me acolheram e eu sinto que posso estar... indo longe demais."
Ele desviou o olhar da estrada para encontrar suas orbes castanhas como o outono. "Não é nenhum problema. Se te ajudar, pense nisso como um ato egoísta. Mantenho você por perto porque eu quero sua companhia."
Rapunzel encolheu os ombros. "Mesmo quando eu estou assim? Eu não sou insuportável?"
"Absolutamente não. Agora, chega de auto piedade. Eu escolhi ficar com você ciente do que isso envolveria. Me deixe lidar com minhas decisões."
O resto do caminho foi silencioso. No entanto, ao chegar em casa, Rapunzel foi tomada pela aflição quando ouviu latidos ecoando por toda parte. "Eles estão aqui", ela repetia, procurando os cachorros que poderiam ataca-la a qualquer momento.
"Não tenha medo, você está segura comigo. Vamos entrar", Klaus orientou. Ele envolveu um braço nos ombros dela, conduzindo-a para a porta.
Na sala de estar, Rebekah e quatro outras mulheres conversavam animadamente. "Eu saio por uma hora e você está dando uma festa na minha casa", o híbrido reclamou. Rapunzel analisou a cena por um instante – as bebidas na mesinha, as roupas de líderes de torcida, a música que ela não reconheceu – e logo depois escondeu o rosto no peito de Klaus. Qualquer nova interação social era impensável. Ela não compreendeu as palavras dele, nem as de Rebekah, que talvez nem fossem dirigidas a ela. Segurou a mão de Klaus enquanto subia as escadas, temendo que algo – e era incapaz de discernir exatamente o quê – a desmobilizasse de repente.
Foi só depois de estando no conforto de seu quarto, com roupas mais confortáveis, deitada na confortável cama, que ela pensou melhor sobre os latidos que ouvira. "Não tinha cachorro, não é?"
Klaus suspirou. "Não, meu amor. Não tinha."
"Ah! – ela soprou, cobrindo o rosto com uma mão – Minha mente mais uma vez me pregando peças, e eu, burra, mais uma vez caindo nela."
"Irônico você falar isso com uma blusa do MIT." Ela revirou os olhos, segurando um sorriso. "Você deve estar cansada, mal dormiu ontem. Durma um pouco. Ficarei aqui, pintando."
Rapunzel concordou. Jogou o corpo contra os travesseiros, aproveitando o espaço que teria só parasi. Klaus lhe trouxe Álgebra, o Elefante de pelúcia, o qual ela abraçou imediatamente. Ele a observou por um longo tempo antes de começar sua pintura. Ela adorava ouvi-lo tanto quanto ele adorava falar, e ele previu que quando ela acordasse ele despejaria nela reclamações e divagações sobre a política da cidade.
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Rapunzel • N. Mikaelson
FanficA vida de Rapunzel Donovan sempre esteve de cabeça para baixo: diagnosticada com esquizofrenia na adolescência, ela ressente o fato de não ter podido assumir a responsabilidade pelos irmãos e se culpa pela negligência da mãe. Mas ela tinha sua própr...