Mais que um problema

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O sol já percorrera mais da metade de sua viagem diária pelo céu quando chegaram ao Porto de Liyue. Mal seus pés haviam tocado as tábuas do deque e um Milelith, a mando de Ningguang lhe entregara um cartão de convocação à Câmara de Jade. O quanto antes, dizia o cartão. Claro.

"Caralho, não posso nem descansar um pouco" pensou, rodando o braço para tentar alongar os músculos doloridos dos recentes acontecimentos em Inazuma. De qualquer forma, era melhor que fosse o quanto antes reportar a situação. As coisas não estavam nem um pouco boas e desde que a política inetrna de Inazuma passou a ser protecionista e extremamente fechada à qualquer coisa estrangeira, as relações comerciais com Liyue começaram a deteriorar e parecia que as coisas só iam de mal a pior.

Levantou os olhos para o céu da tarde, o sol era um brilho cegante e quente. Lá estava a Câmara de Jade, lançando sua sombra sobre os mortais. Era um bizarro e ambicioso prédio flutuante tão grande que era possível-vêlo de quase qualquer lugar de Teyvat. Beidou já sabia o caminho como a palma de sua mão. O fulano que levava os convidados no elevador de plaustrite já nem perguntava o código de acesso. Entretanto, as secretárias de Ningguang já eram outra história. Baiwen...ou era Baixiao? Baizhu? Não não, esse era o médico. Beidou nunca lembrava, mas ela não deixou que entrasse no escritório sem permissão.

-Foi ela quem me chamou aqui "o quanto antes" -ela fez aspas com a mão - então eu vou entrar. Se me dá licença...

E entrou, segurou os ombros da secretária e simplesmente a colocou para o lado como se fosse um objeto de mobília atrapalhando seu caminho e desceu a escada espiral e cruzou o arco do escritório. Já perdera a conta de quantas vezes esteve ali e Bai-alguma-coisa continuava tentando segurá-la do lado de fora. Ningguang nem se importou em levantar o olhar do que quer que estivesse escrevendo, apenas fez sinal para acalmar a secratária e ela deixar o aposento. Levantou então aqueles olhos vermelhos como brasas para olhar para a capitã, que já se sentava na cadeira à frente com total familiaridade.

-É assim que você recebe seus convidados?

-Não culpe Baiwen. Ela tem ordens de não deixar ninguém entrar sem a minha permissão, até mesmo você.

-Hmpf. Você tem um escritório aberto, isso para mim é um convite por si só. – Beidou bufou, se ajeitando de forma desconfortável na cadeira. Sentia dor em seus ferimentos recentes. A Tianquan largou a pena, entrelaçou os dedos sobre a mesa e encarou a outra.

-E então, como estão as coisas?

-Péssimas. – Ningguang levantou uma sobrancelha.– A marinha de Inazuma agora patrulha as águas continentais até próximo da fronteira da tempestade, que por sinal está pior. Com a minha autorização de atracamento revogada, ficou muito mais complicado conseguir alguma informação. Dessa vez precisamos sair correndo quando nos descobriram e lutar contra dois barcos. Quando perceberam que eu tinha uma Visão, queriam me levar prisioneira e confiscá-la. A Arconte deve estar fora de si, querendo confiscar as visões até de estrangeiros. Quase não saímos inteiros. Boa parte da tripulação tem ferimentos e se não tivesse sido rápida, tinha sido empalada. Malditos lanceiros, eu deveria cobrar um extra por isso. – disse, e inconscientemente se moveu doloridamente.

Beidou parou de falar quando viu o olhar de Ningguang. A Tianquan estava pálida, as sobrancelhas franzidas juntas.

- Você o quê?

-Hã...?

Mal teve tempo de formular uma frase e Ningguang já tinha se levantado e se encaminhado para seu lado. Ela se ajoelhou ao lado da capitã, olhando por todo seu corpo atrás de ferimentos. Ignorou alguns roxões em seus braços e encontou parte do curativo na lateral de suas costelas aparecendo por cima da roupa e disse sem rodeios:

-Deixe-me ver.

-O quê? Não! Não vou tirar a roupa na sua sala! – Beidou observou com surpresa como a grande chefe dos Qixing de Liyue, que parecia impassível e fria como uma rocha demonstrar preocupação por logo ela. – Você está preocupada comigo?

Ningguang levantou-se e olhou-a quase como se estivesse ofendida por um segundo.

-Mas é claro. Você é importante para mim, Beidou.

A rainha do mar raramente ficava sem palavras, mas isto a deixou totalmente embasbacada. Nunca imaginou que Ningguang, que sempre lhe dizia que ela só trazia problemas toda vez que estava em Liyue se importasse com ela dessa forma.

-Achei que me odiasse.

-Não seja besta. – ela andou um pouco pela sala, os braços cruzados - Você acha que eu escolheria alguém que eu odeio para trabalhar ao meu lado? Sabendo todos os segrados que você sabe? Você acha que eu lhe convidaria para jogar comigo se te odiasse? Eu escolhi você a dedo. Escolhi justamente porque era você e ninguém mais. Por mais que tenhamos nossas diferenças, você é alguém em quem eu confio. E você deveria saber mais do que ninguém que nem tudo é sobre Mora. Eu me importo com quem está do meu lado.

A marinheira franziu as próprias sobrancelhas. Nos últimos anos Beidou teve o privilégio de ver mais faces de Ningguang do que a grande maioria dos habitantes da cidade. Até mesmo seu pessoal mais próximo. A capitã viu a precupação estampada em sua face diante de problemas em relação ao povo e viu como a legisladora sempre tentava ser justa com a população menos abastada. Ela via que se importava com Keqing e Ganyu, e apesar da relação muito profissional, Ningguang sempre lembrava a ambas de fazer pausas.

-De qualquer forma, Beidou, descanse. E obrigada. Você pode ir agora.

Ainda sem palavras, Beidou levantou da cadeira sentindo as fisgadas do ferimento e saiu da sala. Aquela mulher jamais deixava de surpreender. Deveria admitir porém, que ignorar aquelas partes de Ningguang era mais fácil. Imaginá-la como fria e sem muita empatia conseguia manter o status quo de ambas, e a distância confortável. Mas agora vendo este lado empático e gentil sendo esfregado na sua cara complicava as coisas e aumentava a admiração que sentia pela mulher.

Dois Lados da Mesma MoedaOnde histórias criam vida. Descubra agora