Depois da tempestade

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Podia ser só o que importava mas elas ainda eram figuras bem conhecidas. De forma que Ningguang gentilmente soltou as mãos da Rainha do Mar, pigarreando.

-Por quê não conversamos melhor nas minhas acomodações temporárias?

Beidou voltou a si e olhou em volta para as pessoas com expressões surpresas. Algumas cochichavam entre si.

-Kequing, continue com a contabilização de danos e riscos. Eu volto logo. – disse Ningguang, muito séria. A Yuheng de cabelos lilases tinha uma expressão confusa mas assentiu. Beidou só podia imaginar o que se passava na cabeça da jovem.

Segiu Ningguang até uma casa simples na rua de trás. Muito simples até. Nada se assemelhava à suntuosa estrutura da Câmara flutuante. O interior não era muito diferente. Parecia uma casa camponesa comum, sem nada de especial a não ser sua ocupante. Ela percebeu que Beidou olhava em volta.

-O que foi?

-Parece muito simples para a Tianquan.

-Este é um dos imóveis que eu costumo alugar na cidade. Convenientemente estava vazio no momento e vai servir por alguns dias. Entretanto, não nasci com uma colher de prata na boca, Beidou. Minha família era pobre, estou acostumada com simplicidade.

-É, eu lembro disso. Mas é difícil de acreditar vendo como você é agora.

A expressão da governante vacilou para uma tristeza antiga, mas logo voltou ao normal. A mudança não passou despercebida pela marinheira, que ficou intrigada.

-A Câmara de Jade caiu – Beidou disse, enfim.

-É, eu percebi – retrucou a outra com amargura. Beidou sabia o quanto o pálacio significava para ela. Imaginou o que seria se perdesse seu navio, como estaria se sentindo. Podia compreender o baque do acontecimento.

-O que houve? – perguntou com suavidade. Por mais que gostasse de irritar Ningguang, vê-la triste era de partir o coração. Sentia uma vontade súbita de consolá-la de alguma forma. A de cabelos brancos suspirou.

-Não havia outro jeito. Nossas opções tinham acabado, as balistas de Guizhong foram quebradas e eu decidi sacrificá-la pelo bem de Liyue.

Beidou arregalou o olho. Ela mesma fizera isso com seu amado palácio? Derrubou-o na cabeça do deus para salvar a cidade? E cada vez mais a admiração da marinheira crescia pela outra e mais uma vez ela se viu sem saber o que dizer. Nenhuma das suas alfinetadas e piadinhas cabia agora.

-Não faça essa cara Beidou. Eu o fiz de minha própria vontade.

A capitã não percebeu que sua expressão era triste e preocupada, mas conseguiu dar um leve sorriso, tentando tranquilizar a líder dos Qixing.

-Sempre fazendo tudo como bem entende. É bem a sua cara. – ela olhou Ningguang que ainda estava virada com as costas para ela. Decerto tentando esconder sua própria expressão. Sabia que ela estava sofrendo um bocado. De uma vez só perdera seu sonho, sua casa, seu companheiro e mesmo assim colocava sua máscara de força e impassibilidade, uma rocha que não poderia ser movida nem pelas forças mais extremas da natureza. Mas...Ningguang ainda era humana e não uma deusa. Ela deveria se dar o tempo de passar pelo luto.

- Você não precisa ser forte o tempo todo, sabe? – ela disse, com real intenção de tentar tirar pelo menos isto dos ombros da outra. O rosto dela virou-se de leve na direção de Beidou,.

-Vou ficar bem. – garantiu. A rainha do mar não acreditou nessas palavras, parecia que Ningguang queria convencer ela mesma.

– Sendo assim, acho que vou deixar você voltar aos seus afazeres. -disse, decidindo dar-lhe espaço e virando-se para sair.

-Beidou – Ningguang chamou, e ela virou-se – Obrigada pelo apoio no mar.

Ela não sorria e o brilho em seus olhos de brasa parecia ter se esvaído. Ela parecia o sol num dia nublado. Pálido, frio, apagado. Beidou sentiu o peito apertar.

-Uma pena eu não ter conseguido chegar a tempo para participar da festa. Se precisar de mim, sabe onde me encontrar. 

 E acrescentou, quase inaudivelmente:

 – Você é mesmo inacreditável.

Dois Lados da Mesma MoedaOnde histórias criam vida. Descubra agora