8

26 0 0
                                    

JM Barrie: Basta você encontrar um vislumbre de felicidade nesse mundo, que tem sempre alguém que quer destruir issa

(Em busca da Terra do Nunca)

Acordei com um bom humor invejável, apesar da segun da-feira. Normalmente, o meu pai me leva ao colégio, mas hoje eu resolvi ir de ônibus, já que queria chegar bem cedo para tentar ver o Marquinho entrando. A conversa da noite passada não me saía da cabeça, e eu precisava olhar só para abastecer o meu coração um pouquinho. pra ele,

Foi chegar na porta, que o meu encantamento sumiu. O Leo estava parado em frente ao carrinho de balas e, de repente, eu me lembrei de tudo aquilo que a Gabi tinha me contado. E se ela estivesse certa e o Leo realmente me visse com outros olhos? Mas ele vivia falando de outras meninas comigo, e no começo do ano ele tinha até uma namorada...

Eu me aproximei devagar e ele abriu o maior sorriso quando me viu. É engraçado como uma simples suposiçãofaz a gente olhar diferente para uma pessoa. Normalmente, eu correria para ele, daria um beijinho no rosto, perguntaria sobre o final de semana... mas eu estava totalmente na defen siva. Precisava averiguar aquela história e, se fosse verdade, não podia deixar que ele pensasse que tinha alguma chance, afinal, o meu coração estava completamente ocupado.

Eu fiquei lá do lado dele, meio sem jeito, esperando que ele terminasse de pagar o halls que estava comprando. Ele me ofereceu um e perguntou se tinha dado formiga na mi nha cama, já que eu quase todo dia chegava atrasada. Eu não podia dizer pra ele que a tal formiga tinha nome, então simplesmente disse que tive insônia de novo.

"Não é insônia", ele falou. "Insônia faz as pessoas não dormirem ou acordarem no meio da noite. O que faz com que a gente acorde muito cedo é ataque de ansiedade. Você está ansiosa, Fani?"

Eu gostaria que o Leo não fosse tão inteligente! Fiquei toda sem graça, o que ele deve ter achado bem estranho, já que normalmente não tem ninguém com quem eu fique mais à vontade do que com o Leo.

Aí ele meio que ficou me chamando pra gente subir pra sala, só que eu tinha chegado mais cedo exatamente para fi car lá fora e ver os professores entrarem. Então eu disse pra ele ir subindo porque eu tinha que passar na secretaria.

Os minutos foram passando e nada do Marquinho. To dos os professores chegaram, o sinal bateu, e eu lá, pare cendo uma daquelas alunas pervertidas, que os pais deixam na porta do colégio crentes de que elas vão assistir às aulas e elas simplesmente não entram, ficam do lado de fora fu mando e falando bobagem.

Eu comecei a ficar tensa, já estava quase perdendo aque la vontade louca de ver o Marquinho e resolvi então esperar só mais três minutos, contados no relógio. Estava faltando apenas um minuto, quando ouvi o meu nome.

"Estefânia, o que você está fazendo aqui fora até agora?" Era a diretora! Eu fiquei roxa de vergonha. Por mais que eu chegue sempre atrasada, eu entro rapidinho, não fico lá fora fazendo hora. Fiquei gaguejando, tentando inventar uma des culpa, quando uma voz por trás dela me fez respirar aliviada

"Fani, sua louca! Podia ter me esperado lá dentrol Aqui está o seu celular!" Até suspirei! A Gabi tem o dom de sempre aparecer na hora

certa.

"Oi, Dona Clarice!", ela falou virando para a diretora. "Eu marquei com a Fani aqui fora antes da aula, mas me atrasei um pouquinho..."

Eu sorri pra ela, nem me lembrando da raiva que ela ti nha me feito passar no dia anterior, e nós entramos rapidinho no colégio.

"Agora dá pra me explicar o que você estava fazendo lá fora?", ela quis saber assim que chegamos à sala. "Você já pen sou o que teria acontecido se eu não chegasse naquele mo mento? Você sabe que a Dona Clarice liga para os pais de quem mata aula e faz com que eles busquem os filhos na sala dela? Você imagina a cara da sua mãe tendo que te buscar na sala da diretora? Afinal, você estava matando aula por quê??"

Eu nem tive tempo de responder pra ela que eu não ti nha a mínima intenção de matar aula. A professora chegou bem pertinho e perguntou se a gente queria terminar a con versa na diretoria.

Quando o sinal tocou, eu resolvi agarrá-la pelo braço e dar uma fugidinha até o banheiro para que pudéssemos con versar direito. Expliquei rapidamente (só temos cinco minu tos entre uma aula e outra) o caso do telefonema da noite passada e como isso gerou em mim um desejo alucinante de ver o "Mr. M" (na presença de outras pessoas nós o chamáva mos assim, pra não gerar desconfiança). Ela disse que eu eramuito boba de ficar esperando a entrada dele, que eu devia ter marcado era a saída, porque todo mundo sai ao mesmo tempo.

E foi o que eu fiz. Na hora do recreio, a Gabi foi comigo olhar o quadro geral de horários. Descobrimos que o Marqui nho daria o último horário para o 1º ano B. Então, eu pedi para a professora de Inglês me deixar sair cinco minutinhos mais cedo (dei a desculpa de que tinha médico) e fui até o andar do 1º ano. Eu ia ficar fazendo uma hora por lá e, quando batesse o sinal, iria fingir que estava procurando algum aluno até o Marquinho aparecer e eu suprir a minha vontade de vê-lo.

Mas, para minha grande decepção, ao chegar na frente da sala, constatei que a porta estava aberta e que não havia uma alma viva lá dentro. Cheguei em casa frustradíssima.

Eu nem tinha almoçado ainda quando a Gabi me ligou para saber se o nosso plano tinha sido bem-sucedido. Contei o péssimo resultado e ela disse que, na hora em que eu ligas se para ele hoje, ficaria sabendo o que teria acontecido com ele ou com a aula do 1º ano.

Coitada da Gabi, ela é tão ingênua. Até parece que eu vou ligar para o Marquinho. É óbvio que eu não vou. Por três motivos básicos:

1. Pra não perder a graça. Ele disse que é curioso, não é? Então vai ficar mais ainda.

2. Porque o efeito do champanhe passou completamente e hoje eu estou mais covarde do que um rato.

3. Porque eu tenho a tal reunião de intercâmbio na quarta e a minha mãe cismou que eu tenho que ir cortar o cabelo para passar uma boa impressão. Como eu também tenho spinning e aula particular de Física, só daria tempo para ligar bem tarde. E aí o pessoal da casa dele poderia aten der (ele disse naquele dia que estava sozinho em casa.... com quem será que ele mora?).

Eu tinha acabado de colocar o telefone no gancho e ele tocou de novo. Era o Leo. Ele queria saber por que eu e a Gabi estávamos tão misteriosas hoje e que história tinha sido aquela de eu entrar atrasada no primeiro horário e sair mais cedo no último. Tomei fôlego e comecei a minha historinha ensaiada.

"Entrei tarde porque tive que ir à secretaria pedir autori zação para sair mais cedo", eu disse meio gaguejando, já que eu odeio ter que mentir para o Leo. "Para conseguir isso, eu disse que tinha que ir ao médico."

Como o Leo sabia perfeitamente que não tinha médico nenhum, tive que inventar mais um pouquinho: "O real mo tivo de eu ter saído antes foi porque a minha mãe quería que eu cortasse o cabelo hoje de qualquer jeito, e meio-dia foi o único horário que eu arrumei...".

Olha só a teia em que eu tive que me enrolar só para não dizer a verdade pra ele. Bom, pelo menos essa foi uma mentira verossímil, já que eu realmente vou cortar o cabelo hoje. O problema foi que ele me perguntou como ficou o meu cabelo, e eu - que nem tinha pensado no corte ainda - fiquei toda: "Ah... você sabe! Ficou mais ou menos! Como sempre". E ele respondeu: "Bom, espero que você não tenha cortado muito curto. Seu cabelo é lindo do jeito que ele é.

Sabe, eu começo a achar que a Gabi pode estar certa. Quem, em sã consciência, pode achar o meu cabelo bonito? O meu cabelo é liso, mas muito liso mesmo, daqueles escor ridos que não deixam parar nem passador, nem faixa, nem gominha, nem tiara, nem nada! Se quero fazer um rabo de cavalo tenho que tacar gel para fixar um pouco, mas daí a um segundo tudo desmancha. E vem o Leo me dizer que isso é bonito? Caramba, realmente ele deve estar apaixonado.

Será que, se eu cortar o cabelo bem curtinho, ele se de sencanta de mim?

fazendo meu filme Onde histórias criam vida. Descubra agora