O Condutor: Algumas vezes as coisas mais reais deste mundo são as que a gente não pode ver.
(o Expresso Polar)
Só tirei os olhos da folha com os depoimentos na hora que a aula de Biologia começou. Mas, desta vez, não foi por querer olhar para o Marquinho, e sim porque eu não queria que os nossos olhares se cruzassem nem por acaso!
Apesar de tudo o que aconteceu, meu coração ainda ba teu mais forte quando eu o vi entrando na sala, mas junto com o ritmo cardíaco acelerado não veio aquela empolgação que eu sentia, e sim uma mágoa misturada com raiva e vergonha por imaginar que ele devia estar com pena de mim! Quando o sinal bateu, eu e a Gabi já estávamos com tudo na mochila e fomos as primeiras a sair da sala, para não ter chance dele puxar assunto.
A gente estava na porta do colégio esperando nossos pais, quando a Gabi me lembrou do jogo da aula de Educação Religiosa e perguntou se eu realmente não estava curiosa pra descobrir quem tinha escrito cada depoimento. Eu falei pra ela que estava um pouco, mas que, além de ser impossível saber quem tinha escrito o quê, também não tinha jeito de distinguir o que era brincadeira do que era sério.
Ela então tirou a folha dela e me deu pra ler. Eu li. Qua se todo mundo tinha escrito que ela era inteligente, malu quinha e original, apenas mudando as palavras. Eu devolvi a folha e ela me perguntou se isso era mentira, ou se parecia que alguém estava debochando dela ou fazendo algum tipo de brincadeira. Eu disse que não, que ela era mesmo muito inteligente, tinha cara de doida e que eu realmente não co nhecia ninguém mais original do que ela.
"Pois eu também concordo com tudo o que li ao seu res
peito", ela falou. "Agora, quer fazer o favor de confiar mais no
seu taco e tentar descobrir quem é o seu admirador secreto?"
Nesse momento, o meu pai chegou. Eu me despedi da
Cabi dizendo que ia telefonar para a gente terminar a con
versa mais tarde.
"Na hora em que você quiser", ela falou, andando em
direção ao carrinho de balas. "Eu já sei quem ele é mesmo...." Eu entrei no carro, olhei pra ela mais uma vez, mas cla já estava superentretida escolhendo um chocolate.
Cheguei em casa e, antes mesmo de almoçar, peguei a
tal folha. Não sei por que, mas ela me acalentava, como se
fosse uma espécie de refresco, de alívio, um raiozinho de sol
no meio da escuridão em que eu estava. Li tudo novamente, tentando enxergar pelos olhos da Gabi. F. se fosse verdade? E se as pessoas que escreveram aquelas frases realmente sentissem algo a mais por mim? Peguei uma folha e anotei as que mais despertaram a minha curiosidade:
Quer casar comigo?
Te adoro, menina! Pena que você não me enxergan
É o amor da minha vida. O triste é que ela gosta de outro...
Não consegui chegar à conclusão de quem poderia ter escrito SERIAMENTE nenhuma das frases. Peguei uma lis ta com os nomes de todos os alunos da sala, escrevi em outra folha só o nome dos meninos e comecei a analisar um por um, tentando lembrar se algum deles algum dia tinha dado algum sinal de interesse por mim.
Alan - Super gente boa, mas a gente só conversa sobre assuntos escolares, no máximo sobre alguma festa. Adriano - Tem namorada. E só fala "ou" e "tchau" pra mim.
Alexandre - Não conta, está com caxumba e não tem ido à aula por isso.
Bernardo - Tem namorada. E bonita.
Carlos André - Da turma do fundão, já trocamos uns bilhetinhos, mas acho que ele gosta é da Gabi, vive enchendo o saco dela.
Daniel- Namorado da Camila da outra sala
Erick - Sem chance. Gay assumidissimo! Ernesto - Nunca conversei na vida. Aliás, acho que
ele é mudo.
Guilherme - O cara mais lindo do colégio inteira E o mais metido também. Nunca ia dar bola pra mim, uma simples mortal.....
Juliano - Do fundão também. Bonitinho e gente boa já conversei com ele várias vezes... mas o assunto sem pre foi a namorada dele que está fazendo intercâmbio na Espanha
Laerte - Da turminha dos CDFS. Nada a ver! Ele nun ca olhou pra minha cara, nem nas pouquissimas vezes em que conversamos. o tipo
Leonardo - O Lea. Acho que está bem óbvio que de mulher que ele gosta é o meu oposto: louna, chata e metida a bestal Gostaria tanto de ver o que ele escreveu pra Vanessa na folha dela
Lucas - Se o cumprimentei algum dia na vida foi muito. Senta do outro lado da sala.
Marcus Vinicius - Bonitinho e ordinário. Não iria me mandar indiretas escritas, ele canta todo mundo é na
cara dura mesmo.
Paulo Roberto - CDF também. Já pedi o caderno dele de Fisica emprestado umas duas vezes. Ele emprestou Mas pediu pra eu não devolver com marcas de gordura! Renato Não foi à aula Então não escreveu nada,
portanto não conta Rodrigo - Vive pros lados da turma da Vanessa Deve ter antipatia de mim também.
Vladmir - Todo mundo sabe que ele vai ser padre Inclusive a Irma Imaculada está começando a pre pará-lo para o Seminário.
Ou seja, muito óbvio que nenhum deles escreveria a sério nenhum dos três depoimentos que eu anotei. O que me faz voltar à minha hipótese original: estão rindo da minha cara.
Foi isso que eu falei pra Gabi quando liguei pra ela de pois do almoço. Li todas as análises que eu fiz sobre cada um dos meninos e ela começou a rir: "Pra alguém que está só um pouco curiosa, até que você está fazendo muito esforço... pena que é desnecessário, já que a verdade está na sua cara c você insiste em não ver!".
Eu fiquei com vontade de desligar o telefone, mas contei até dez, respirei fundo e perguntei já sabendo a que verdade é essa?". resposta: "E
Ela deu um suspiro e falou: "De novo? Quantas vezes vou ter que te falar que está muito claro que foi o Leo? Leia de novo pensando nele, você vai ver que consegue até escutar a voz dele por trás das palavras!".
Dessa vez quem riu fui eu: "Gabi, minha querida, acho
que você está cometendo um deslize nessa sua lógica perfei ta... não é apenas um recado intrigante. São três!". Ela deu outro suspiro e perguntou: "Você por acaso leu
sua folha de depoimentos direito?".
Ela nem me deu tempo pra responder e já continuou: "Lógico que não. Tem um detalhe óbvio que foi a primeira coisa que eu reparei, mas claro que você não tem espaço nes sa sua cabeça sonhadora para questões práticas".
Eu não estava entendendo do que ela estava falando. Fi quei calada, ela também, e aí, depois de um tempo, ela falou: "Fani, quantas pessoas tem na sala?”.
Eu, que estava com a lista dos alunos em cima da minha
escrivaninha, conferi e respondi: "38".
"Você não escreveu pra você mesma, né?", ela pergun tou, e eu, começando a entender um pouquinho da lógica dela, disse que não.
"Então sua folha deveria ter 37 depoimentos", ela expli cou. "Quantos tem?".
Eu peguei a folha correndo e tomei um susto.
"Trinta e oito! Você acha que alguém escreveu duas vezes?"
Ela deu um risinho e respondeu: "Acho que alguém es creveu quatro vezes! Por acaso você viu o Renato e o Alexan dre na sala hoje? Ou você acha que mesmo matando aula algum deles pode ter escrito, por exemplo, por telepatia?".
Eu ainda estava assimilando a nova informação e ela fa lou: "Quando seu raciocínio lento chegar à conclusão de que todas as pistas apontam para o Leo, você me liga de novo... beijo, tchau".
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fazendo meu filme
FanfictionFani, uma menina de 16 anos que mora em Belo Horizonte. Com uma escrita sem pressa, somos introduzidos na vida dessa adolescente e no seu dia a dia. Acompanhamos sua vida na escola, sua preocupação com as notas e a aprovação, seu relacionamento com...