43 - Parte II

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DANIEL

E todo dia, eu nasço, eu cresço, eu adoeço. Eu morro um pouco mais, pra me trazer pra vida.

(AcordarFresno)


Eu não preciso de uma sessão de terapia para sentir que passei um pouco da conta na noite anterior. Então, quando o dia amanhece, a sensação é de tensão e constrangimento.

Acordo cedo, mas somente desço para tomar meu café da manhã quando tenho certeza de que não há mais ninguém na cozinha. Faço o mesmo na hora do almoço. Quando o fim da tarde se aproxima, eu mando mensagem para Thalia e Alissa e depois passo cerca de meia hora no chuveiro.

Quando, enfim, saio do quarto, espero um bom tempo no topo das escadas para ter certeza que é seguro descer e não darei de cara com ninguém, mas quando entro na cozinha, Sarah está mexendo em uma panela no fogão enquanto o cheiro de café domina o ambiente saindo direto da cafeteira, que ainda está ligada. Obviamente, ela não fala comigo.

Decido então fazer uma vitamina de banana com chia e aveia. Não é o jantar ideal, na verdade costumo tomar isso de manhã, mas posso comer algo fora mais tarde.

Ao passar por Sarah para pegar o iogurte que vai substituir o leite em minha vitamina, sinto o seu corpo enrijecer e hesito por um segundo, quase fechando a geladeira antes mesmo de pegar o que preciso, mas então retomo minha tarefa com cuidado e preparo meu jantar evitando qualquer contato visual.

Tomo a vitamina em silêncio, de pé, encostado na bancada da pia. Em seguida, lavo a louça suja e ando até a outra extremidade da bancada, onde há um armário acoplado e no qual se encontra uma cesta de medicamentos.

– Cadê o sorriso?! Cadê o sorriso?!

A voz alta e alegre do meu pai falando com Madu em algum outro cômodo da casa reverbera até a cozinha de forma repentina, quebrando o silêncio frio que envolve a mim e a Sarah, me surpreendendo a ponto de me fazer deixar cair o frasco do remédio que havia acabado de pegar.

O vidro se choca no chão, sem quebrar, e o barulho de chocalho provocado pelos comprimidos em seu interior é alto e seco.

Sarah se vira e encara o frasco que rolou até perto dos seus pés enquanto me abaixo e o pego rapidamente. Ela, no entanto, continua com o olhar fixo no chão, agora um espaço vazio.

Sinto seu olhar sobre mim quando giro a tampa do frasco e o inclino em minha mão direita, deixando cair apenas um comprimido. E depois, quando pego um copo de água para empurrar este comprimido através da minha garganta. Sinto seus olhos me seguindo quando fecho o frasco, o guardo de volta na cesta e caminho até a pia, onde lavo o copo da mesma forma que lavei a louça anterior, e o deixo no escorredor.

Quando giro em direção a saída da cozinha, não consigo mais evitar e flagro seu olhar. Ela me encara com seriedade e, percebo, uma nota de impaciência. Eu sei o que ela está esperando.

– Ontem à noite... – eu começo, sem muito sucesso.

– Sim – ela instiga, ao perceber minha abrupta interrupção de mim mesmo.

– Eu disse coisas.

– Sim – ela repete.

– Eu não queria magoar seus sentimentos – assumo, enfim, sem olhá-la nos olhos.

Não consigo ir além disso e Sarah parece compreender. Ela suspira, resignada, e cerra os lábios, então descruza os braços e me diz:

– Eu sei que é difícil para você, também é difícil para mim. Nós dois somos importantes para seu pai, nós dois nos importamos com ele.

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