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ALISSA

Em um minuto eu segurava a chave, no outro, as paredes estavam fechadas contra mim. E eu descobri que meus castelos se apoiavam sobre pilares de sal e pilares de areia.

(Viva La Vida Coldplay)


– Todo mundo comete erros.

Ao meu lado, Anna caminha de braços cruzados pelo corredor da escola. Ela finalmente me contou o que houve entre ela e Victor. É algo aparentemente tão bobo, mas com um significado e implicações tão profundas que eu fico em dúvida sobre como opinar.

Acabei falando sobre minha conversa com Daniel e essa foi sua resposta para mim. Acho que a frase de efeito se encaixa nos dois contextos, o meu e o dela.

Thalia, em silêncio, olha de mim para Anna como se não pudesse acreditar. Ela morde o lábio inferior e o prende entre os dentes, pensativa. Parece estar indecisa entre falar algo ou não. Tenho medo do que quer que ela esteja pensando em dizer. Às vezes, a sinceridade de Thalia pode ser um pouco dolorosa.

Para nossa surpresa, ela não nos dá nenhuma lição de moral. Ao invés disso, assume:

– Fiquei com a Lilo na casa de praia.

– O QUÊ?! – eu e Anna berramos juntas, atônitas.

Thalia evita nos encarar e, olhando para os próprios pés, dá de ombros.

– Como assim?! – Anna questiona, curiosa para saber de mais detalhes. Não vou mentir, também quero.

– Aconteceu, é isso – Thalia diz, simplesmente.

Fazendo uma rápida leitura corporal, eu posso ver que ela está desconfortável. Ela parece quase envergonhada em ter que admitir isso.

Apreensiva, mas esperançosa, eu instigo:

– E aí?

Thalia dá de ombros outra vez. Talvez porque sentimos que algo mais ainda está por vir, eu e Anna esperamos quietas até ela se sentir confortável para falar novamente, o que não demora a acontecer:

– Eu já tinha ficado com uma ou outra garota depois da Sofia, depois de ter me tornado eu, Thalia, outra vez. Mas foram pessoas que eu vi uma vez na vida para nunca mais, sabe? Elas não sabiam do meu passado. Lilo sabe que eu já fui Thomas.

– E você acha que ela se importa? – Anna tenta entender, mexendo nas próprias unhas. – Ela teve algum problema com isso?

– Não, mas não é essa a questão. É que foi estranho pra mim. Eu não estava sendo nenhum personagem pré-fabricado, o Thomas descolado e oprimido ou a Thalia desconstruída. Estava sendo os dois. Não sei explicar. Eu não precisei agir como um garoto, mas também não precisei bancar nenhum outro papel. Eu pude ser apenas eu. Eu, alguém que está se descobrindo, mas sabe direitinho quem quer ser.

Nem eu nem Anna sabemos o que dizer, nenhuma de nós duas jamais precisou passar por isso. Só nos resta imaginar como deve ter sido e ainda deve ser para Thalia ter que passar metade da vida presa a um personagem, com a mente confusa e partida. Então, quando finalmente começa a se aceitar e sair da própria casca, tem todos os seus sonhos e expectativas roubados quando alguém mata seu primeiro amor por pura intolerância. Ainda é pesado para mim quando penso no crime terrível que ocorreu com Sofia, mesmo que eu sequer a tenha conhecido.

Na verdade, Thalia perdeu seu primeiro amor mais de uma vez, se parar para analisar. Perdeu quando foi proibida de amar e teve seus sentimentos enclausurados dentro do seu próprio peito e perdeu de novo quando achou que poderia finalmente sair, mas teve o amor simplesmente aniquilado por alguém que era incapaz de compreender um sentimento tão único e grandioso surgido entre duas pessoas.

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