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DANIEL

Não volte para casa ou eu nunca te deixarei ir. Você vai aguentar essa, eu sei disso.

(I Just Know Jacob Lee)


Quando abro os olhos, sou forçado a fechá-los outra vez. A claridade é insuportável. Estou com frio. Tateio com as mãos ao redor do meu corpo, procurando, de olhos fechados, algum cobertor que possa me aconchegar. Não encontro. Ouço minha própria voz gemer de frustração.

– Acorda pra vida, garoto! - uma voz grossa e masculina exclama.

Levo um segundo para identificá-la. Rolo para o lado depressa e acabo me desequilibrando, quase caindo no chão, então recuo imediatamente.

– Não quero acordar para a vida – eu resmungo, a voz rouca e fraca.

A voz se contrapõe na mesma hora:

– Não fale isso nem por brincadeira.

Esfrego os olhos com as mãos e tento abrí-los mais uma vez, agora lentamente. Aos poucos, me acostumo com a luz forte que entra pela janela. Pisco algumas vezes e encaro meu avô, que me observa com uma expressão deliciada no rosto.

– Que horas são? – eu pergunto.

– Seis e meia – ele dá um enorme sorriso, como se essa fosse a coisa mais incrível de todas.

Eu fecho os olhos outra vez e empurro o corpo para trás, me recusando a aceitar. Solto um grunhido mal-humorado, mas acabo cedendo e levanto da cama em um salto, esticando os braços para a frente e para os lados e depois flexionando um por um. Olho para meu avô com uma careta de má vontade:

– Isso é quase uma heresia.

– Acordar cedo?

– Exatamente.

– Seis meses aqui e ainda não está acostumado?

As palavras do meu avô soam como um balde de água fria sendo jogado bem na minha cara. Seis meses. Uau, é muito tempo.

– Hoje é o grande dia – meu avô me lembra com animação.

Eu olho para meu próprio reflexo no espelho em cima da cômoda e repito, com a voz comedida:

– Hoje é o grande dia.


≈ ≈ ≈


Depois do café da manhã que com certeza seria aplaudido de pé pelos nutricionistas e obcecados pela saúde - iogurte natural com granola e aveia, suco de pêra e uma torradinha de pão integral com creme de ricota -, eu e meus avós estamos prontos para partir.

Eles moram na região norte da cidade, então, contando todo o trânsito já intenso pela manhã, passamos cerca de uma hora no carro ouvindo as velharias dos meus pais que passei para o pen drive.

– As melhores dos anos 80 e 90 – meu avô comenta, tão logo R.E.M começa a tocar.

Ele e minha avó estão tão acostumados às canções, talvez por causa do meu pai ou por minha própria causa, que as ouvi todos os dias nos últimos seis meses, que cantarolam alguns trechos de maneira desajeitada e mexem as cabeças para acompanhar os ritmos que tocam.

Eu vou o caminho inteiro do lado da janela, que abri, observando as ruas pelas quais passamos. Velhos costumes nunca morrem.

– É uma pena você ter que deixar a academia logo agora – vovó comenta quando estamos quase chegando.

EmergidosOnde histórias criam vida. Descubra agora