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DANIEL

Às vezes nós nos despedaçamos tão lindamente, e você sabe que não é a única. Eu te respiro tão doce e poderosamente, como um incêndio queimando dentro dos meus pulmões.

(Wildfire SYML)


– Eu sei que você não vai entender isso, e é só por esta razão que eu estou falando, mas a minha vontade é de te morder inteira.

Madu ergue a mão com o punho fechado e acerta meu rosto num reflexo automático típico de um bebê da sua idade. Eu seguro a mão dela com carinho.

– Eu sei, eu não deveria falar essas coisas – me desculpo com ela, que está atenta ao que falo. – Mas é que você é tão fofa.

Quando pronuncio a última palavra, aproximo meu rosto do dela e deposito um beijo longo e estalado em sua bochecha. Ela produz um som engasgado que eu poderia interpretar tanto como uma risada quanto como um protesto - prefiro a primeira opção.

Ouço o riso de Sarah vindo do banheiro da suíte. Ela está jogando fora a fralda suja que acabou de trocar enquanto eu distraio minha irmã, que espera pela mãe deitada na cama onde frequentemente dorme com ela e nosso pai.

Estou deitado de lado com ela, com um dos braços por baixo do seu corpo e o outro acima, para lhe fazer carinho. Madu põe a língua para fora e quase me acerta de novo com o punho, que outra vez eu seguro. Dando outro beijo estalado em sua outra bochecha, eu digo:

– Eu sei, você não pode evitar ser tão linda. Mas eu também não posso evitar gostar tanto de você. Você gosta de mim também, não é?

Ela é mais rápida do que meus reflexos e chuta minha barriga.

– Ok, acho que isso foi um "sim" – eu brinco, rindo. Ela sorri de volta, então devo estar correto.

Sarah aparece na porta do banheiro com o cabelo mais arrumado do que estava antes, quando saiu apressada e carregando uma fralda suja, e as mãos úmidas depois de tê-las lavado na pia.

– Obrigada, Daniel – ela diz, apoiando as mãos na cintura. – Da próxima vez, se ela estiver menos agitada, eu te ensino melhor como trocar a fralda.

– Tudo bem, mas eu só vou concordar em fazer isso se o conteúdo da fralda for xixi.

Eu seguro Madu sob o som das risadas de Sarah e juntos saímos do quarto até a área de lazer. Thalia me chamou hoje cedo para ir tomar banho de mar, mas ainda não me decidi se vou, então por enquanto estou meio solitário pela casa. Madu é minha melhor companhia no momento, mas algo me diz que ela prefere os braços da mãe, que agora sentou numa rede e espera pacientemente que eu lhe entregue sua filha. Meio a contra gosto, eu passo a bebê para Sarah.

– Obrigada de novo – ela agradece.

Meu pai também não está por perto, o que significa que ele deve ter saído para o centro ou estar na praia com os outros, que resolveram aproveitar o sol forte que está fazendo para se banhar na maré, baixa a este horário.

Eu gosto de praia, na verdade. Gosto da areia, da maresia, do cheiro da água salgada, da visão dos barcos de pesca ao longe e do barulho das ondas que vêm e vão em sua própria frequência. O problema é o próprio mar. Simplesmente não consigo entrar lá dentro e ignorar a água escura que me impede de enxergar aonde estou pisando. O pior é eu nem mesmo saber quando e como surgiu esse medo, apenas sei que ele existe.

Saio em busca do violão do meu pai só para ter o que fazer. Acabou que a bateria do teclado antigo está com algum defeito, ou talvez o próprio teclado esteja quebrado depois de tanto tempo trancafiado naquela despensa escura e suja, pois mesmo depois de eu e meu pai termos organizado tudo e seguido os passos corretos na hora de ligá-lo – que não é algo muito difícil –, o instrumento não funcionou.

EmergidosOnde histórias criam vida. Descubra agora