Capítulo 3: Casa de Lições

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Se havia algo que nunca imaginei que faria, foi ir à "escola". Eu aprendi a ler com um homem bondoso que escrevia cartas para pessoas analfabetas, esse homem foi uma das poucas pessoas bondosas que conheci, e ele morreu.

O lugar que vou não é bem uma escola, é apenas um espaço chamado Casa das Lições, onde uma senhora ensina jovens moças língua portuguesa, costura e bordado, e artesanato. ah, e não posso esquecer a bendita teologia. Além do xadrez, é claro, com nosso estimado Arthur Freitas. Aquele mesmo que eu falei que não queria ver tão cedo. Me perguntei porque aquele lugar existia se todas as garotas haviam frequentado a escola da cidade, e Gilbert explicou que aquele lugar servia para reforço acadêmico, e também para manutenção de outras habilidades, tais como a socialização, pois era bom que as moças tivessem um bom lugar onde se encontrar produtivamente.

Gilbert teve que se desdobrar para me convencer a ir nessa "escola" quando voltou da igreja. Eu falei pra ele que não desejava me sentar junto com um monte de garotas mimadas e ouvir uma velha com pé na cova falar, e eu não disse isso, mas eu também queria fugir de Arthur e desse efeito bizarro que ele causa em mim. Mas ele insistiu tanto que me venceu pelo cansaço e pela gratidão, e eu admito: eu realmente quero ter oponentes no xadrez, agora que parei de apostar. Não posso enferrujar afinal. Espero que Arthur me dê pelo menos um bom jogo.

Graças a isso, estou me arrumando agora para ir. Eu só tenho vestidos pretos, coloquei um modelo semi-casual, arrumei meu longo cabelo preto e pus meu chapéu preto com fita vermelha. Pus uma gargantilha de fita cinza. Me avaliei no grande espelho de meu quarto, vendo se estava apresentável. Será que serei aceita naquele lugar? As pessoas podem me olhar estranho. De qualquer forma, não me importo. Estou acostumada e não preciso de amigos. Guardei um pouco de dinheiro no espartilho para o caso de eu precisar.

Desci as escadas. Gilbert, Vivian, e seus filhos Joaquim e Bianca já estavam tomando café. Eu tive a oportunidade de cumprimentar os dois na noite passada. Bianca é uma garota de pele escura, um pouco mais clara que tia Vivian, e Joaquim é um rapaz moreno claro, ambos tem cabelos crespos bem cuidados. Eles são jovens cristãos e ricos bem genéricos na minha opinião, mas me parecem pessoas confiáveis.

O que estou pensando? Ninguém é confiável. No máximo convivível.

- Bom dia Sophia - Gilbert e Vivian me cumprimentaram simultaneamente, correspondi inexpressivamente.

- Bom dia Sophia, ansiosa para conhecer a Casa das Lições? - Bianca perguntou, sorrindo gentilmente.

Dei um pequeno sorriso.

- Não posso me dizer ansiosa, mas... creio que será proveitoso. - Respondi.

- Mamãe contou que joga xadrez, provavelmente vai gostar das aulas do professor Freitas. Sendo uma ex-apostadora, provavelmente será a melhor das moças. - Joaquim acrescentou enquanto eu me sentava à mesa e me servia de torradas, geléia e uma xícara de café.

Suspirei. Eles ainda não sabem do meu recente encontro com o aprendiz de pastor, se eles soubessem o quanto esse homem me irrita e ao mesmo tempo instiga a minha curiosidade... e para ele ter dito que serei a melhor da turma, já dá pra concluir que as garotas da turma não tem meu nível e qualquer jogo de xadrez que eu tiver será apenas um massacre unilateral. Que frustrante. Parece que não terei adversários no nível dos apostadores.

- É, acho que sim. - Respondi simplesmente, mordendo a torrada.

Vivian bebeu um gole de café. 

- Sophia, não querendo ser indelicada, mas você só tem vestidos pretos? - perguntou. 

Assenti, sem desviar os olhos do meu café da manhã, que aliás era melhor que toda comida do orfanato. Não que eu nunca tivesse comido algo melhor que a comida do orfanato, já que ganhava bastante dinheiro nas apostas, mas agora é diferente...

Resplandecer [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora