Eu fiquei calada sepulcralmente depois daquilo, salvo algumas vezes que me perguntavam coisas e eu respondia com monossílabos, o turbilhão em minha mente era tanto que eu não tinha energia para conversar. Durante o período de recreação antes da peça de teatro, resolvi ficar sozinha embaixo de uma árvore que me fazia sombra. Eu disse para as meninas que tudo bem elas irem para as brincadeiras sem mim, afinal não me arriscaria com meu conhecimento medíocre na gincana bíblica, mas isso foi só minha desculpa para ficar sozinha com meus pensamentos.
A Sra. Damasceno me deu um diagnóstico da minha natureza que nenhum argumento em minha mente é capaz de contradizer. Eu sou uma órfã, tudo que é considerado essencial para o bom crescimento de uma pessoa me foi negado, desde o amor dos pais, até a gentileza de cuidadores. Até mesmo o direito de ser normal me foi tirado. Ser desprovida de beleza é um crime menor que ter heterocromia.
Mas em compensação… a vida me deu um dom: um intelecto avançado, que me tornou uma rainha no xadrez. Na pré-adolescência eu já vencia homens mais velhos e experientes, previa as jogadas mais difíceis, amava sentir a adrenalina, e bastava eu perder por um erro para jamais cometê-lo uma segunda vez. Tal talento me deu uma fortuna que se investida, pode me tornar exponencialmente rica. O que não recebi de amor, a vida me compensou em forma de poder, com uma mente à frente do meu tempo.
Observei minha vida desde que cheguei nessa cidade. Nada disso parece real, não para mim. Eu integro uma família rica de favor, estou frequentando uma "Casa de Lições" que não me ensina nada que eu já não saiba de trás para frente, tenho duas amigas com vidas reguladas perfeitamente cristãs, estou em um retiro de igreja, ironicamente sendo agnóstica. E nem sequer tenho jogado xadrez com frequência, desde que Arthur me trouxe de volta à cidade, eu nunca mais saí para apostar. Justamente a única coisa que me fazia sentir que tinha algum controle sobre a minha vida, que me fazia sentir uma rainha apesar da minha vida indigna. Até disso estou me afastando.
O que estou permitindo que esse lugar faça comigo? Estou tentando me encaixar em uma persona para qual não fui feita, e me afastando daquilo que com certeza sou: uma rainha intelectual, solitária, porém poderosa. Com um reinado de sucesso pela frente.
Eu não tinha nada para escrever, então comecei a recitar o poema que me veio à mente:
Não nasci para o afeto
Não fui forjada para ser amável
Sou a abelha rainha
Uma persona invejável
Menos um, menos dois, menos três,
Afasto todos em meu caminho,
Cada um em sua vez.
A coroa pesa, mas aprendi a suportar.
Fico bem sozinha, sou capaz de carregar.
Gênios apenas vivem uma história de loucura
Minha alma ama o excêntrico
Está longe de ser pura
Podem chamar de egocêntrico
Meu caráter, minha postura.
Meu intelecto é rico
Ninguém está à minha altura.
As atmosferas me lançam fora
Mas reino por cima do caos
Sou a rainha do xadrez
Com a jogada fatal.
No tabuleiro sou a mais brutal
Sou a peça mais forte
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Resplandecer [COMPLETO]
Romance[REPOSTADO] Dedico essa história a todos aqueles que já foram marginalizados. Por ser órfã, introvertida e ter olhos de cores diferentes, Sophia Corabelle sempre comeu o pão que o diabo amassou, sofrendo violência física e psicológica de todos à sua...