Capítulo 4: Fuga

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"- Diretora Silvia, Sophia arrumou briga com meninos na rua - um projeto de vadia me dedurou para a diretora do orfanato, quando entramos na sala dela. Eu chorava copiosamente, dando alguns soluços, pois com 6 anos eu sabia que aquilo não acabaria bem.

- Eles p-puxavam meu cabelo, tia Silvia. E-eu só empurrei um deles e... - Eu tentei me explicar, mas...

Silvia se levantou de sua cadeira e me deu um tapa em meu rosto, forte o suficiente para me derrubar.

- Eu já te falei que não sou sua tia. Você vai se arrepender de ter brigado, sua maldita rata de rua"

As memórias me vieram à mente enquanto eu atravessava junto de Bianca o pátio da Casa de Lições. Gilbert jamais me perdoaria por arranjar uma briga. Na melhor das hipóteses eu iria apanhar, e na pior seria devolvida ao orfanato.

Eu não queria passar por nenhuma das duas. Preferia me tornar de fato uma rata de rua do que isso. Preferia abraçar de uma vez minha alcunha humilhante a sofrer a dor de ser maltratada ou abandonada de novo. Prefiro que seja eu quem rejeite esse mundo do que sofrer novamente essa dor.

Lembrei-me da quantia guardada em meu espartilho, suficiente para pagar passagens de trem ainda sobrar bastante. Acho que eu poderia sumir por alguns dias e voltar quando a poeira baixar. Ou talvez não voltar. Sei exatamente para onde ir.

Sim, isso é uma péssima ideia. Mas é minha única opção e estou em desespero.

Enquanto eu e Bianca andávamos pela calçada, busquei me lembrar onde era a estação de trem, e me recordando o caminho, empurrei minha lousa nos braços dela e...

- Preciso pegar um trem, diga ao Gilbert que volto em três dias - falei rapidamente, sem lhe dar tempo para assimilar minha fala.

- O quê? - Ela perguntou, confusa. - Como assim você...

E então, levantei meu vestido e comecei a correr muito rápido na direção da estação de trem. Bianca tentou correr atrás de mim, mas a minha vantagem de distância e minha velocidade a obrigaram a desistir. As pessoas me olhavam com estranheza, principalmente quando deixei meu chapéu cair pelo caminho.

É uma pena. Eu realmente amava esse chapéu.

Corri até a estação de trem e comprei rapidamente a minha passagem, entrei no trem. Ele sairia em dez minutos, para minha sorte. Ele iria direto para a estação da cidade de Jojoba, onde tinha um point de apostas de xadrez muito bem-frequentado, onde eu já era conhecida. Vou pagar uma hospedagem e brincar um pouco lá. Estava resolvido por enquanto.

De repente comecei a me sentir mal. Com certeza deixei Bianca confusa e Gilbert vai ficar preocupado. Sou egoísta por fugir assim e só me importar com meus próprios sentimentos, mas sei que se eu não me importar, ninguém mais vai. Essa é minha vida: estou sozinha e só posso contar comigo mesma. Sou apenas eu contra um mundo maquiavélico.

Balanço a cabeça afastando de mim o remorso. A vida é assim. As pessoas são todas instáveis, talvez eles fiquem preocupados agora, mas podem virar as costas pra mim. Não devo me importar tanto assim com eles. No Point de Jojoba eu vou fazer mais dinheiro e conquistar uma vida adulta bem melhor.

Suspirei e me debrucei sobre a janela, esperando o trem sair. Sempre amei andar de trem, ver a vista das colinas era algo simplesmente prazeroso, mesmo para alguém como eu, tão caótica. Acho válido, já que alguém tão escura como eu, qualquer coisa que se pareça com felicidade já me é satisfatória.

- Com licença, posso me sentar com você? É que eu nunca andei de trem antes e estou meio nervoso. - Um rapaz com voz jovial falou. Me virei para olhá-lo e percebi que ele era bastante parecido com o sr. Freitas. Seus cabelos eram ruivos e os olhos verdes como os dele, mas ele parecia mais novo e tinha algumas sardas. Não tinha mais do que 15 anos.

Resplandecer [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora