10/05/1958

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A janela suja e manchada me permitia ver o mundo lá fora, que parecia frio. Gotas de chuva caiam melancolicamente contra o vidro, eu as observava enquanto apertava minhas mãos no colo.

Olhei de relance para minha mãe, que não parava de me encarar, e sua expressão não era amigável. Seu cabelo preso em um coque apertado me permitiu observar isso. A mala ao meu lado caiu, ela faz um som com a boca, soou quase como uma repreensão silenciosa, mas o silêncio não durou muito.

— As irmãs irão recebê-la muito bem, Maria Cortez — Ela disse, as mãos fazendo gestos impacientes todo o tempo. — Trate-as como os seres superiores a você, porque elas são.

— Achei que somente Deus fosse superior a mim. — Resmunguei.

— O que disse? — Perguntou, mas tinha certeza de que ela escutou perfeitamente o que eu disse.

Balancei a cabeça em negação, e pelo que a conheço, provavelmente estava evitando gritar comigo. Claro, ela não gostaria que o motorista do convento a ouvisse histérica. O que seria algo completamente diferente do que ela mostrou ser.

A viagem não durou pouco mais. Logo, o motorista abriu a pequena janela que nos separava e avisou que estavamos em frente ao convento. Olhei o prédio, era exatamente como pensei, só que bem mais macabro. A pintura estava sendo ofuscada por musgos e manchas pretas por conta da chuva. Janelas altas marcavam presença no primeiro andar, com vidrais de anjos ou um paraíso perfeito. Em nossa frente, uma enorme escada se revelava, e o que eu acho ser uma freira, estava no topo dela.

— Esta é a irmã Maryonice — Disse minha mãe, ajustando fios soltos do meu cabelo e passando as mãos para alisar a saia do vestido. — Comporte-se.

Assenti, e em seguida aceitei a mão enrugada do motorista, que me ajudou a sair do carro. Segurei minha mala com força ao perceber que o rosto da mulher não tinha uma expressão amigável, e que o tempo passado ali seria um inferno.

Segurei o guarda-chuva que ele colocou em minhas mãos, mas ainda houve tempo para que a minha roupa molhasse. Não me importei com isso, segui adiante olhando apenas para a mulher brava, e quando me dei conta, estava longe o suficiente para perceber que acabou. Minha vida antiga. Acabou.

Maryonice colocou a palma da mão em minhas costas, e depois começou a me levar para dentro. As portas foram abertas, eu olhei para trás uma última vez, o carro estava indo embora, agora realmente eu estaria ali.

Havia um grupo de garotas perto da entrada, elas cochichavam umas com as outras, e a irmã Maryonice não disse nada. Fui levada até uma sala, onde ela me indicou uma cadeira desconfortável e eu sentei ali. Uma placa na mesa me revelava estar falando com a madre superiora. Fiquei em silêncio enquanto ela terminava uma oração, Maryonice fez o mesmo.

Quando se virou a madre me lançou um olhar severo, seu rosto enrugado permitiu que a expressão ficasse ainda mais estranha. Sentando em sua cadeira, parei para observar a mesa, onde uma bíblia estava aberta e um terço marcando uma das páginas. Olhei para suas mãos trêmulas provavelmente por causa da idade.

— Maria Cortez — Ela disse, a voz como alguém que já gritou bastante para "educar" moças que estavam ali. — Aqui o seu dever é apenas com Deus. Você deve adorá-lo acima de tudo. Não deve se render ao desejo carnal, e deve ter total devoção à ele — A madre apontou para uma cruz atrás de si, e eu só concordei com a cabeça. — E com esses passos, deverá se tornar uma moça totalmente fiel à palavra escrita na bíblia.

Não sabia quanto tempo isso iria durar, mas eu provavelmente teria tanto trabalho que desisti depois dessas palavras.

— E ao final de tudo, se tornará uma serva fiel.

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