28/07/1958

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O trem iria partir às seis da noite e eu tentava elaborar mentalmente cada passo. Aquela seria uma oportunidade única. Eu finalmente me livraria daquele inferno e ainda estaria com Ivy.

Então Hannah tocou em meu ombro, afastando meus pensamentos contra minha vontade.

— Parece distraída, Maria — Ela disse, preocupada. — Eu posso fazer algo?

Nós estávamos perto de outras noviças porque a área de convivência era a única oportunidade que tínhamos de conversar normalmente. Eu queria dizer que sair dali com Ivy era o bastante, mas me contive.

— Só estou pensando. — Foi a minha resposta, e pareceu suficiente.

Eu voltei a me concentrar em meus pés balançando e em seguida escutamos o sino, indicando que era hora da missa do fim de tarde. As segui como sempre fazia, e tentei pensar em como levaria minha bolsa junto comigo.

Então deixei para lá quando percebi ser impossível. Eu toquei minha roupa, onde as moedas, o diário, as cartas e o bilhete de trem estavam escondidos. Quando conferi tudo e voltei a realidade, percebi que já estávamos na capela. Me sentei nos últimos bancos, onde o relógio era mais visível e onde eu poderia correr quando a hora chegasse.

Foram longos e tediosos quarenta minutos até que eu decidisse tomar uma atitude. Não havia ninguém atrás de nós para proteger as portas, e asism que me senti pronta eu tirei meu sapatos e corri.

Poderia ter sido uma ideia bem elaborada se o padre não ficasse o tempo inteiro falando, mas na verdade acabou se mostrando estúpida. Eu saí da igreja sem nenhum sapato e corri para a cidade, que estava movimentada. As pessoas estranharam, mas eu deixei tudo para trás, nada importava para mim, eu só queria sair. Não deixei bilhetes para Hannah ou Catalina, não peguei minhas roupas que eu tinha preparado cuidadosamente.

Corri até a estação e quando olhei no relógio percebi que faltavam vinte minutos, e isso seria tempo suficiente para que me achassem. Então eu não sei quem, mas lembro que algum maquinista apitou e em meio aquela cacofonia eu escutei o som da voz de um funcionário anunciando o trem para Londres.

Não me importei e corri antes que as portas se fechassem. Sentei num lugar aparentemente vago e torci para que ninguém aparecesse. Eu estava nervosa, mas tentei me acalmar ao olhar para cima. Ao meu lado estava uma mulher mais velha que minha mãe e mais nova que a madre. Ela me analisou, seus olhos verdes estavam atentos aos detalhes e foi perceptível que descobriu sobre eu ser de um convento.

— Onde estão as outras? — Ela quis saber, curiosa.

Nossa conversa foi interrompida quando pediram nossos bilhetes. O funcionário semicerrou os olhos e me encarou com certa estranheza.

— Seu bilhete é para o próximo trem.

— M-Ma-mas eu tenho um compromisso importante e... — Eu estava muito nervosa para pensar. Olhei ao redor em busca de ajuda, qualquer coisa ou pessoa que me desse uma ideia de como sair dessa situação. — Acho que confundi os horários. Desculpe.

— Precisa esperar o próximo. Não falta muito.

Me levantei, derrotada, e a mulher ao meu lado segurou meu braço.

– A freira disse que tem um compromisso importante! — Ela mudou o tom de voz, falando de um jeito autoritário. — Por acaso não sabe que as coisas de Deus não se podem esperar?

Aquilo pareceu ser como uma espécie de choque no homem e ele aceitou meu bilhete sem questionar mais nada.

Então, naquele momento, eu pensei que não levar uma roupa diferente tinha sido algo bom.

— Obrigada. — Eu disse, ela sorriu.

Sentei em meu lugar de novo e respirei fundo. Tentei me acalmar e parar de imaginar que a madre fosse entrar por aquela porta.

— Por que está indo a Londres? — A desconhecida sussurrou.

— Vou para Westminster. — Foi tudo que respondi. Westminster era um convento, faria sentido eu ir até lá.

Depois disso ela ficou em silêncio e eu também. Passamos o resto da viagem assim, e quando o trem finalmente parou eu respirei fundo.

Londres era agitada, as pessoas saíram do trem tranquilamente, mas as que entravam estavam apressadas e nos empurrando. Eu fiquei atordoada, algumas pessoas olhavam para mim confusas, todas aquelas luzes me deixavam tonta e aquele barulho era insuportável. Mas eu lembrei o motivo de estar ali e tudo pareceu se acalmar. Eu só precisava chegar ao convento.

Eu saí da estação tentando ignorar os olhares confusos e comecei a andar pela cidade sem rumo algum. Lembro de ter passado em frente a um restaurante e desejar a comida que as pessoas comiam. Lembro de ter levado um susto quando um carro passou por mim e quase fui atropelada. Lembro de sentir meus pés doendo por estar sem sapatos.

Mas, apesar disso tudo, eu lembro de quando passei em frente a uma loja onde vendiam espelhos. Eu olhei para mim mesma após tanto tempo, percebendo como as pessoas me olhavam. Eu tirei o hábito devagar, com medo que alguém me visse, mas não haviam muitas pessoas na rua. Vi as ondulações do meu cabelo depois de tanto tempo, e assim que desfiz o coque apertado eu o senti caindo sobre meus ombros. Sorri e fiquei me admirando por algum tempo, percebendo que eu era bonita.

Balancei minha cabeça e voltei a me concentrar em achar o convento, então andei mais um pouco, até perceber que aquilo não faria sentido porque eu podia estar me afastando ainda mais. Olhei ao redor, vi um hotel e finalmente tirei as moedas do bolso. Não eram muitas, Patrick havia dito que eu passaria dois dias em Londres com aquele dinheiro, mas percebi que eu era um ser humano e precisava de comida e água se não quisesse desmaiar ali no meio do nada.

Eu senti frio quando um vento passou por mim, então apertei o hábito em minhas mãos para tentar me aquecer. Balancei a cabeça mais uma vez quando olhei para o hotel e segui meu caminho até achar uma praça.

Me sentei em um dos bancos, os arredores estavam bem visíveis por conta dos postes. Observei aquele lugar, vi as pessoas, me imaginei com Ivy ali, porque em breve teríamos aquilo.

Convent | ⚢ Onde histórias criam vida. Descubra agora