13/06/1958

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O vazio sempre voltava.

Comecei a ter essa estranha sensação depois do silêncio de Ivy. Um vazio em meu peito, a sensação de perda. Eu ainda via seu rosto, ouvia sua voz. Mas não era por olhar para mim, e muito menos por falar comigo. Ela definitivamente havia esquecido de mim. Me distanciei de Hannah por causa disso. Não havia motivo para falar com outro alguém se quem eu realmente gostaria de falar estava me evitando.

— De novo! — Mais uma daquelas freiras infelizes gritou.

Olhei para aquele coral com todo ódio que havia em meu peito e comecei a tocar o piano, mas estava colocando muita brutalidade nisso, a ponto de uma das teclas se soltar. Ou talvez o piano fosse velho.

Não levei tapa ou repreensão, então talvez fosse só velho mesmo.

Estávamos ensaiando pela quinta vez. Eu não aguentava mais as vozes desafinadas, preferia fazer qualquer outra coisa. Eu levantei e deixei o banquinho livre, mas elas não sabiam consertar.

— A madre ficará furiosa! — Uma delas disse, roendo as unhas.

A outra olhava ao redor. Não com medo, mas uma expressão estranha, como se procurasse alguém. Sua cara feia me fez lembrar do dia que apareceu na cozinha.

— Como o quebrou? — A freira histérica me perguntou.

— Ele está caindo aos pedaços! — Lhe respondi, brava.

— Abaixe o tom de voz! — A freira, até então calada, finalmente falou.

— Aquela noviça sabe consertar — A histérica disse, encarando a que me repreendeu. — A madre ficaria furiosa se descobrisse que o piano quebrou.

— E ficaria se descobrisse que uma noviça consertou.

Cruzei os braços, esperando pela decisão daquelas mulheres velhas, ranzinzas e burras.

Assim que a freira esquisita saiu, o coral foi atrás dela. A histérica e a outra se olharam, então decidiram algo a partir dessa troca de olhares e a que me repreendeu nos deixou ali.

Toquei em algumas teclas, a freira estúpida se assustou, então saiu. Respirei bem fundo e olhei para cima. Não acreditava que preces davam certo nem nada do tipo, mas naquele momento eu sussurrei para as pinturas no teto.

— Se existe alguma força maior, me leve desse lugar.

Segurei em meu pingente de cruz, machucando a palma da mão, então suspirei.

Pensar que minha mãe viria me buscar e eu voltaria para meus dias felizes na Colômbia estava fora de questão. Eu me pegava pensando nisso as vezes, mas percebi que era impossível.

Os passos me fizeram voltar para minha realidade. Uma realidade onde a mesma garota que me evitava, agora estava bem na minha frente. Mesmo assim não me olhou, e se voltou para o piano. Ela segurava uma pequena caixa que tinha ferramentas, e pensei em como ela saberia consertar aquilo.

Dei espaço, uma desculpa perfeita para me afastar.

— Consegue consertar? — A freira perguntou.

— É claro. Por isso estou aqui, não estou, Lucia?

A ranzinza murmurou e depois se calou.

Elisa, Genlie, Lucia, Daisy, Aline. Todas as freiras que conseguia reconhecer além de Maryonice.

Ivy se sentou, olhou a tecla mais de perto e pegou uma ferramenta. A freira esquisita voltou para a sala, cochichou alguma coisa para Lúcia, que trocou de lugar com ela. Percebi Ivy segurando a ferramenta mais forte, parecia que ia quebrar ainda mais a tecla.

— O coral está lá fora. — Ela disse. Era uma indireta para me mandar sair.

— Este é o meu piano. Então, até saber se ele está perfeito, eu não sairei daqui.

Eu não sabia o que estava acontecendo, mas se Ivy ficava nervosa junto daquela freira, eu queria impedir que ficassem sozinhas.

— Creo que te amo — Sussurrei, de repente, e respirei fundo. Ivy não entendia perfeitamente o que eu falava, tenho certeza. A freira também não, mas não gostou do que falei para Ivy, mesmo sem saber o que era. — muchísimo.

Meus olhos marejaram quando percebi que ela não iria olhar para mim. A tecla estava no lugar, aparentemente, então foi dado espaço para eu me sentar. Toquei a mesma canção que estava tocando antes, e assim que terminei, olhei para Ivy.

Amar Ivy. Que loucura. Eu não deveria amá-la.

— Vamos — A freira disse. As mãos de Ivy se fecharam em punho, de um jeito forte e agressivo. — Terminou o que veio fazer aqui.

O ensaio havia terminado. Fiquei sozinha, tocando qualquer coisa no piano. Olhei para cima de novo, e apenas movi meus lábios para pedir novamente o que pedi mais cedo.

Alguém estava se aproximando. Pensei ser uma freira vindo me repreender, então vi Ivy. Ela caminhou até estar no banco, colocou o cotovelo apoiado nas teclas e escondeu o rosto na mão. Fiquei em silêncio, o que foi bom, porque ela começou a chorar, e eu estava com raiva, provavelmente iria falar algo que não deveria.

— Eu odeio esse lugar — Disse entre soluços, o rosto banhado em lágrimas. — Eu vou embora. Preciso ir.

Sua voz. Sua linda voz estava carregada de tristeza e dor.

Receosa, coloquei minha mão sobre a sua.

— O que disse? Quando eu estava... consertando o piano.

— Nada importante — Menti, e afastei nossas mãos. — Precisa passar pelo meu quarto para fugir? Você sairá hoje?

— Eu não posso ir por conta própria. Em breve serei freira e vou me livrar deste lugar. Mas se eu fugir, posso ser pega e não será nada bom.

Ivy respirou fundo.

— Você estava me ignorando. — Eu disse de uma vez. O silêncio sobre isso estava me matando.

— Prefiro manter o silêncio. Te deixa segura.

— Segura? Como assim segura? Se vai continuar com isso, ao menos me diga o motivo.

Ela balançou a cabeça e cerrou os punhos. O fato dela se levantar me deixou com dúvidas. Ivy queria me manter segura, mas como faria isso em silêncio e sem me ver? Eu não entendia.

— Ivy. — Segurei sua mão. Queria respostas. Queria parar de me sentir confusa. Mas não tive resposta alguma.

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