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O passado não reconhece o seu lugar; está sempre presente

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O passado não reconhece o seu lugar; está sempre presente.

- Mario Quintana

A estação de trem costumava ser um ótimo lugar para ir desenhar quando eu estava entediada - e era bem fácil de se entediar em uma cidade pequena como aquela.

Mas naquele dia eu não levei papel e muito menos canetas.

Era a primeira vez em três anos que eu retornava à Berkeley.

Era a primeira vez em todo esse tempo que eu voltava à cidade e à estação, e também, a primeira vez que eu encontraria a minha mãe depois do acidente que matou meu pai.

Eu fui morar com a minha avó em Puerto Vallarta, litoral do México, depois que tudo aconteceu.

Os primeiros meses foram bem difíceis, eu não queria ver ou falar com ninguém, e toda vez que afundava a cabeça no travesseiro, a cena do acidente se repetia na minha mente como um filme estúpido:

Nós estávamos indo para a praia. Nós estávamos rindo e conversando quando passamos por aquela maldita curva.

Meu pai e Duda, minha irmã mais velha, se foram no capotar daquela droga de carro.

Eu e a mamãe fomos amaldiçoadas desde então, porque continuamos vivas.

Foi uma calamidade organizar e ir ao velório da minha irmã. Um inferno ver o meu pai ser enterrado. Não consegui encarar a realidade nenhum dia depois daquele. Eu não queria encará-la. Não queria aceitar que agora a vida teria que continuar sem eles.

As cenas dos corpos dentro de caixas de madeira indo embora para sempre me atormentaram durante muito, muito tempo.

Tudo em mim se rasgou e se quebrou naquele dia, eu não consegui mais ir ao colégio, não consegui colocar o pé para fora de casa, não conseguia nem mesmo respirar direito. Meu melhor amigo, Léo, tentou me visitar várias vezes, mas eu não me atrevia a sair do quarto e nunca atendi suas ligações.

Então em algum momento, ele desistiu.

Minha mãe, por sua vez, entrou em depressão e eu não estava lá para ajudá-la. Ela não teve dinheiro ou  sanidade suficientes para procurar um psiquiatra, então adoeceu de verdade.

Seus cabelos caíram, ficando cada vez mais escassos. Apareceram manchas inapagáveis e bem escuras pela sua pele bronzeada. Ela emagreceu tanto que eu pensei que ela fosse se partir ao meio, de tão frágil e quebradiça que se tornou.

Eu gritava, esmurrava as paredes e quebrava tudo, culpava tudo e todos pelo acidente. Mamãe chorava baixinho, para que eu não ouvisse, sua dor era mais silenciosa. E hoje eu sei, era mais devastadora.

Minha avó que eu já mencionei, Galia, veio nos visitar dois meses depois da morte do próprio filho.

Ela era forte, saudável e sempre sorridente. Já havia perdido filhos e marido antes e sobreviveu. A dor não a assustava. A finitude e a tragédia da vida sequer a perturbava.

Impossible [Livro único]Onde histórias criam vida. Descubra agora