seis

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Não posso negar que estar em um ambiente novo era estranho, entretanto, estar junto daquela matilha me fez - finalmente - sentir pertencente a algo. Desde o dia que vendi o orfanato, nunca mais havia me sentido tão bem e agora não era só questão de estar com pessoas, era questão de estar com gente como eu.

Há duas semanas que desci o barranco e a conheci todos, nos primeiros dias era estranho. Eu tinha certeza que em algum momento o nosso campo seria invadido e então todos ali seriam mortos, mas não, os dias foram passando e percebi que não havia lugar mais seguro do que ali.

Não há um nome para esse espaço, deveria ter, assim as pessoas que se mantém aqui se sentiriam mais pertencentes. Todos que moram aqui se dão bem, conversam e mantêm a cordialidade. Todos, sem exceção, falam bom dia e boa noite para mim. Isso foi o que me fez perceber que minhas desconfianças eram idiotas.

Com o tempo passando e as conversas que passei a ser apresentado percebi que todos tinham históricos semelhantes ao meu. Marta, uma senhora de 89 anos que morava ao lado da cabana que eu estava ficando, morou 36 anos trancada dentro de uma reabilitação para alfas no sul da Noruega, ela lembrava com muita dor tudo que passou, mas principalmente o tempo que passou presa assim que chegou em Paris.

No fim, todos que me cercavam eram parecidos comigo.

Não foi difícil me sentir bem, não foi difícil me acomodar na cabana, mesmo que eu estivesse vivendo em uma cabana com outras 2 pessoas - Bella e Victoria - não era nada difícil me sentir bem aqui. Elas eram ótimas no fim das contas, sempre solícitas e muito respeitosas. Mas, eu estava com elas porque descobri que o trio que havia me resgatado também era o trio que não vivia no nosso campo, então eu teria bastante tempo sozinho pela casa, mas também havia algo em torno de mim em que todos me protegiam, sendo assim, aqui estava eu morando na casa com os maiores protetores do campo. Bella, Victoria e Pedro moravam em Paris no mesmo bairro que Harry, entretanto era esporádico o tempo por lá. Permaneciam de 3 a 4 dias lá e depois voltavam para cá.

Eram eles quem sabiam de todas as pessoas que se meteram em encrenca, eram eles que as traziam e eram eles que passavam todas as informações para o responsável. Responsável esse que eu ainda não conhecia, era um tal de Ed, Bella me contou que o chefe era um infiltrado, por isso não frequentava muito o local, na realidade, disse que o viu somente três vezes em toda sua vida. Mas além dele haviam outras pessoas infiltradas, uma delas sendo Harry.

Tentavam todos os dias me convencer de que Styles era confiável e que trabalhava na polícia para ajudar, mas não, eu não comprava mais essa história.

Harry era um vendido, eu sabia disso.

Além disso tudo, ainda havia questões de convivência. Uma delas, e a principal, era que ninguém ali tinha seu período de cio ou rut, além de não haver betas entre nós. Os infiltrados tomavam remédios para ser daquela classe, era algo bom para a segurança de todos.

A questão de não haver esse período, entre os ômegas e alfas, era por proteção e cuidado, no início diziam que era para que ninguém fosse descoberto ou algo parecido, com o tempo passei a descobrir que aquela regra era uma forma de cuidado com todos que chegavam.

Saber que você não seria abusado só por estar no seu período fértil era o maior presente que alguns jovens dali podiam receber.

Entretanto, as pessoas que queriam viver esse momento e tinham um parceiro para viver isso, conseguiam vivê-lo tranquilamente.

Um pouco distante de onde ficavam as cabanas, havia um lago e lá haviam 3 casas pequenas. A princípio foram construídas para o líder e seus infiltrados, mas com o tempo souberam que não era boa ideia tê-los tão perto, então o lugar ficava vazio e apenas esperava por um casal. Muitos tinham filhos e na maior parte das vezes eram filhos fruto de um casamento sério.

Enfim, depois de 15 dias morando aqui, passei a enxergar beleza nos meus dias. Por muitas vezes conheci lugares que me acolheram, mas nunca havia encontrado algo parecido com o que vivia atualmente.

•••

- Bella vai demorar? - Perguntei para Henrique que estava próximo.

- Não, em pouco tempo ela volta, é folga de dois infiltrados e eles deve estar esperando.

- Eles vem com ela?

- Sim! Sempre que eles tem folga, de dias ou semanas, Bella ou a Victoria os buscam e eles passam os dias com a gente.

- Entendi...

- Sei que vocês tem um passado - ele disse lendo meus pensamentos após um tempo, - mas aqui só buscamos ser nós mesmos, então só tente pegar leve, ok?

Assenti sem ter muito o que dizer, Henrique sorriu e saiu dali dando dois tapinhas em meu ombro.

Eu tentava me preparar pro momento que o veria novamente, tentava ter certeza de que ele não me confrontasse ou quisesse muita conversa, tentava imaginar cenários e até mesmo desculpas. Mas no fim, eu só não o queria ver.

Podia ser decepção ou então receio, podia ser muitas coisas, mas eram meus sentimentos mais puros.

O restante da tarde passei cercado de plantas e trabalhava em plantar algumas sementes para a nossa horta. Quando escureceu voltei pra minha cabana e já havia desistido de ver os infiltrados, tomei meu banho e estava preparando um pouco de sopa que a Bella me ensinou, até que ouvi uma comemoração animada do lado de fora.

Eles tinham chegado.

Senti meu peito acelerado e quase deixei a sopa queimar, estava curioso, mas tive medo de qualquer reação apressada que eu poderia ter, então fiquei na cabana e terminei meu jantar, depois eu o veria.

Não demorou para eu ouvir passos próximos, com certeza era Bella e sua fome. Abri um sorriso levantando do sofá pronto para colocar um pouco de comida para ela, peguei o prato de vidro nas mãos, a concha estava pesada de líquido e então tudo que segurava caiu.

A porta se abriu e o cheiro que veio junto foi o que eu conhecia. Era dele. Era o cheiro do Harry.

- Louis, 'tá tudo bem? - Bella perguntou correndo em minha direção.

- Tudo sim, desculpa pela bagunça - falei voltando a realidade e me ajoelhei para pegar o vidro quebrado no chão. - Desculpa mesmo, me assustei com a porta sendo aberta assim...

Ela assentiu e me ajudou a limpar, ofereci um prato de comida e começamos a comer juntos, sentados na sala. Não falávamos nada. Bella me olhava como quem esperasse por minhas palavras e eu só queria entender como aquele cheiro apareceu.

Assim que terminamos a ômega agradeceu e na sequência foi tomar seu banho. Fiquei na sala e logo fui lavar os pratos, o cheiro não estava tão mais presente e nesse ponto acreditava ser apenas coisa da minha imaginação.

Depois de 30 minutos Bella já estava pronta para dormir e foi me dar um abraço, seu rosto ainda estava preocupado, mas eu não sabia o que dizer.

- Olha, sei que você não quer falar, nem comigo e nem com ele, mas - ela suspirou, segurou nas minhas duas mãos e olhava profundamente nos meus olhos - o Harry quer muito ver você, ele quer ter certeza que está tudo bem. Ninguém está pedindo pra você aceitar um perdão, apenas mostre que você está vivo.

Com o fim de sua frase, Bella saiu do ambiente e me deixou com a cabeça pensante. Ela era uma pessoa importante para mim e por mais inseguro que estivesse com relação a Harry, faria isso por mim mesmo.

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