Prólogo

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J2ctw era um ser humano comum, pelo menos fisicamente, era baixinho e careca, usava uma roupa simples, camisa e calças brancas de um tecido leve, ele caminhava na mesma direção que um fluxo de pessoas que nem sequer se falavam, nem se olhavam, totalmente carecas e vestidos de branco, homens, mulheres, crianças e idosos. O ser humano há muito tempo havia perdido o interesse uns pelos outros. Os olhos cinzentos de J2ctw olharam para os dois lados da rua, era uma visão interessante, prédios por todo lugar com vidraças polidas que refletiam o exterior como um espelho, não havia árvores, nem postes, o chão era totalmente de mármore branco, não havia estradas, nem automóveis, nenhum tipo de veículo, os senhores daquele lugar possuíam tecnologia de tele transporte, podiam ir de casa para onde quisessem, a rua era usada somente pelos escravos: os seres humanos.

O planeta era Clusies, a 50.000 anos-luz da Terra, contando pelo calendário ocidental humano era o ano de 3035 d.C. a Terra atualmente era inabitável e os humanos precisaram se submeter à escravidão em um planeta distante para sobreviver. Os Crotos, senhores e nativos daquele planeta comandavam com mão de ferro, os humanos foram obrigados a viver em grandes alojamentos públicos, seus nomes foram tirados e cada um era chamado por um código a fim de facilitar seu monitoramento, foram proibidos de criar cabelos, água era um recurso muito caro para gastar com futilidades dos escravos, depois foram obrigados a usar coleiras de metal com rastreadores, que enviavam um sinal para as torres de comando nos centros das cidades, se os Crotos notassem qualquer humano que estivesse onde não deveria estar acionavam um mecanismo que tornaria a coleira cada vez mais apertada até que o humano morresse.

Sem ter como se defender dos poderosos Crotos os humanos foram se tornando uma espécie cada vez mais depressiva, esqueceram-se de seus costumes, suas religiões, sua linguagem, não se interessavam em se relacionar uns com os outros, há anos não nascia mais nenhuma criança humana, pois as mães não suportavam ver seus bebês em uma coleira de metal como se fossem animais, a raça humana estava morrendo, definhando sem esperança, dos milhares que chegaram ao planeta só sobraram algumas centenas na Capital Central.

J2ctw era diferente, apesar de ter nascido escravo e vivido trinta e cinco ciclos planetários, o que seria equivalente a quase quarenta anos humanos, ele se permitia sonhar, ele olhou mais uma vez para o céu azul daquele planeta, com raras nuvens amareladas acima dos prédios espelhados que iam até onde sua vista alcançava e finalmente a rua de mármore branco, onde as pessoas, caladas, seguiam para seus serviços. Ele parou sobre a entrada de uma passagem subterrânea, um bueiro, aquela cidade tinha muitos túneis subterrâneos antigos que levavam a muitos lugares, há muito tempo ele soube que o sinal da coleira não pegava ali embaixo, mas isso por si só não era suficiente para criar uma rebelião, quando ele sumisse do radar os Crotos mandariam uma tropa para encontra-lo, talvez três ou quatro indivíduos e ele seria executado logo quando o encontrassem. Ele coçou sua coleira, aquilo o incomodava muito, ao contrário dos demais, ele não estava acostumado, respirou fundo, se abaixou e fez força para retirar a pesada tampa circular de mármore.

As pessoas passavam sem demonstrar o mínimo interesse no que ele estava fazendo, a escravidão havia tirado até mesmo a curiosidade delas, depois de alguns minutos de esforço braçal ele conseguiu abrir a passagem, de dentro saiu uma lufada de ar quente, o interior era escuro, mas ele conseguiu ver que era uma espécie de corredor por onde ele poderia caminhar em pé com facilidade, pegou uma lanterna que guardava no bolso, um papel que continha um mapa tosco e pulou na escuridão.

O primeiro passo foi dado, agora não havia como voltar atrás, ele havia sumido do radar dos Crotos, se fosse encontrado morreria, com a lanterna ligada e o coração batendo acelerado J2ctw foi correndo pelo corredor, a sensação era bastante claustrofóbica, o teto era somente um pouco mais alto que sua cabeça e as paredes outrora brancas estavam encardidas, ele seguia consultando o mapa simplório a cada bifurcação, sabia que tinha pouco tempo, torcia para que as informações fossem verdade, para que o disco realmente existisse. Depois de correr uns cinco minutos ele se deparou com uma porta metálica que bloqueava o corredor, em vez de entrar em desespero ele simplesmente sorriu, aquilo significava que havia chegado ao seu destino. A porta estava trancada, mas não era muito resistente, os Crotos nunca imaginariam que alguém tentaria entrar ali, J2ctw tomou certa distância e depois correu a toda velocidade se chocando contra ela com o ombro, o que causou uma dor alucinante, mas cumpriu o objetivo, a porta havia sido arrombada, assim que passou pela porta a coleira emitiu um bipe, ele tinha voltado ao radar, em breve seria estrangulado.

Não havia tempo a perder, do outro lado da porta J2ctw subiu uma escada e emergiu em um salão enorme, janelas circulares bem no alto iluminavam as paredes brancas do interior, e o teto era tão alto que caberia facilmente um pequeno edifício ali, vitrines de vidro estavam espalhadas por todo salão como se aquilo fosse uma loja gigante, e dentro delas havia toda sorte de coisas, meteoritos antigos, esqueletos de animais extintos, e outras coisas que J2ctw nem saberia dizer o que eram. Ele estava no lendário depósito de relíquias. Correndo entre as vitrines ele procurava apressado por uma relíquia em particular, ouvira uma lenda há muito tempo, sobre um disco que tinha poderes especiais, e um livro que continha as instruções para manuseá-lo, J2ctw não sabia ao certo se existiam, mas valia a pena tentar. A coleira emitia bipes cada vez mais frequentes, o que significava que o estrangulamento estava cada vez mais próximo, ele ouviu vozes se aproximando pelo corredor de onde viera, os soldados Crotos o encontrariam em breve de qualquer forma, ele estava desesperado, jogava para cima exemplares de livros antigos e se chocava contra vitrines contendo espécimes alienígenas as derrubando no chão, ele precisava encontrar... Foi quando viu uma caixa marrom no chão com um desenho de um círculo com vários outros círculos concêntricos dentro dele, as inscrições na caixa não eram claras, mas ela tinha o formato cúbico com meio metro de lado mais ou menos, ele abriu rapidamente e lá estava: um disco dourado com inscrições parecidas com as da caixa em cima de um pergaminho, o papel parecia frágil, era da largura do disco, uns quinze centímetros de largura e bastante longo, estava escrito em uma linguagem que J2ctw podia compreender, era a linguagem falada em Clusies, a linguagem do império Titã.

J2ctw começou a ler depressa as instruções do disco, que era feito por dois aros concêntricos e um núcleo, depois foi girando os aros no sentido horário e alinhando os símbolos que havia nas bordas como se tentasse resolver um quebra cabeças, os bipes da coleira agora estavam frenéticos, três soldados Crotos apareceram na entrada por onde ele veio, pareciam humanos, mas tinham três metros de altura aproximadamente, sua pele era azul e eram totalmente carecas,  tinham quatro braços com os quais seguravam uma arma de plasma, um escudo e duas adagas, seus olhos eram totalmente negros e piscavam na vertical, descalços, seus pés tinham apenas quatro dedos, assim como quatro dedos em cada mão, vestiam uma espécie de bata de peça única de um tecido prateado. J2ctw não tinha tempo para temê-los, se concentrou em decifrar o disco, colocou o pergaminho no bolso e fez um último movimento fechando os olhos logo depois, como se rezasse para aquilo funcionar, os soldados se aproximaram enquanto nada acontecia e J2ctw se preparava para morrer, a coleira metálica começava a apertar seu pescoço, os soldados avançavam, dez metros, cinco metros, três metros, então algo aconteceu, o disco começou a brilhar e de repente J2ctw desapareceu.  

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