6 - Folga florida

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Tijuana — México — 1975 d.C.

Aparecemos no estacionamento de um supermercado, era madrugada e estávamos no limite das nossas forças, a cidade ao nosso redor estava vazia, havia prédios de várias cores por todos os lugares e as ruas espaçosas e desertas continham árvores podadas a intervalos regulares.

- Descansaremos aqui, anunciou J, quando estivermos recuperados continuamos a busca pelos aros.

Yuno continuava inconsciente nos braços de Demétrius, todos estavam tão cansados que ninguém protestou, saímos do estacionamento e caminhamos em direção a alguns prédios mais afastados até encontrar um que parecia abandonado, as vidraças estavam quebradas e as paredes pinchadas, nós arrombamos uma porta lateral e invadimos o local sem hesitar. O cheiro de mofo era horrível e era provável que houvesse ali algum tipo de praga como baratas, aranhas ou escorpiões. Procuramos alguma sala menos suja e encontramos uma, era um espaço amplo, uma janela única e muito suja nos permitia ver a frente do prédio, se alguém mais chegasse nós veríamos, como estava escuro não dava para ver direito o teto e as paredes, mas o ar era úmido e desconfortável, nos acomodamos estendendo panos e dormindo em cima, ninguém ficou de vigia, todos estavam esgotados, deitei no chão ao lado e Yuno e dormi em menos de um minuto.

 Eu estava em Salvador novamente, no meu barraco totalmente desarrumado, Gabi estava deitada no sofá que eu costumava dormir, ela olhava para o teto, seus olhos estavam marejados e com profundas olheiras, parecia que ela não dormia há dias e andava chorando muito, em seu colo uma camisa velha minha, espalhados pelo chão alguns cartazes com minha foto e a frase "Você viu esse menino?". Meu coração se apertou, eu queria poder abraça-la, toca-la ou pelo menos falar com ela, ela se sentou no sofá e pegou algo que estava no chão ao lado do sofá, era uma seringa, tive vontade de gritar para ela parar, mas não podia fazer nada enquanto ela preparava a dose daquela porcaria e injetava lentamente em sua veia, eu nunca tinha presenciado minha irmã se drogando, aquilo me causou um misto de dor e fúria, os olhos dela desfocaram e eu tive vontade de gritar, então o que aconteceu a seguir foi estranho, ela olhou em minha direção como se estivesse me vendo, e falou:

- Miguel!

Era uma exclamação de alívio, como se estivesse feliz em me ver, quando eu tentei responder o sonho se dissolveu e eu acordei chorando, estava de volta a realidade.

Eu não fui o primeiro a acordar, as paredes ao longe estavam mofadas, algumas colunas sustentavam o teto que era branco com manchas de bolor, Osha, J e Samir não estavam ali, ao meu lado Yuno roncava bem de leve, eu olhei para ela, tão linda, quis estender o braço e tocar seu rosto, mas meu braço parecia retalhado pelo ferimento da luta anterior, apenas gemi.

 - Bom dia, falou Demétrius, os outros foram em busca de suprimentos e eu fiquei para cuidar de vocês.

Os olhos dele denunciavam que ele havia chorado recentemente, ele estava com um ar deprimido, era triste perder alguém amado. Me sentei com dificuldade, cada músculo do meu corpo doía.

- Você está bem? Perguntei

- Sim, ele respondeu, Kaléa foi a melhor coisa que já me aconteceu, tenho certeza que a encontrarei no outro mundo.

Aquilo me pegou desprevenido, eu nunca fui religioso, mas segundo J no futuro descobriram que todo ser vivo tem uma alma, então seria possível a vida após a morte? Será mesmo que a morte não era o fim? Havia questões mais urgentes para se preocupar, então perguntei:

- Não seria melhor levar a Yuno em um hospital?

- Ela acordou mais cedo, estava lúcida, mas cansada e com mal estar então resolveu dormir mais um pouco.

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