Cap. 5 - Abuso

18.1K 1.5K 276
                                    

Dezessete anos atrás...

Seguro a bola que mamãe me deu com força. Imagino que estou no campo, correndo como os jogadores que eu assisto na TV.

Corro pelo corredor, o sofá da sala é onde o meu time marca ponto.

Jogo-me contra as almofadas. Imagino a torcida gritando meu nome porque eu fiz o nosso time ganhar.

Fico em pé no sofá e comemoro, imito os gestos dos jogadores de verdade.

Um dia eu vou ser como eles!

Agarro a bola e o controle remoto da TV, coloco a bola embaixo do braço e seguro o controle como se fosse um microfone.

Fico com um pouco de vergonha por estar fingindo dar uma entrevista. Mas ninguém está vendo mesmo.

Vou até a cozinha e bebo um copo d'água. Corri tanto que estou morrendo de sede.

Subo até meu quarto, abro a gaveta da cômoda e pego o álbum de figurinhas que eu escondo embaixo das minhas roupas.

Mamãe me deu o álbum, quatro pacotes de figurinhas e a bola de futebol no meu aniversário. Mas ela disse que eu tinha que ser cuidadoso para que o papai não visse, se não ele iria brigar com ela por ter gastado o dinheiro dele com bobagens.

Por isso só brinco com minha bola quando ele está trabalhando.

Deito-me de bruços na cama e começo a virar as páginas, olhando para as fotos dos jogadores que eu já colei.

Será que um dia eu vou estar em um álbum também?

Olho para o relógio e sinto meu corpo gelando. Eu me distrai e já está quase na hora de papai chegar.

Pulo para fora da cama e escondo meu álbum e minha bola. Vou correndo para a cozinha e abro a geladeira.

Sinto meu coração batendo com força, sinto vontade de começar a chorar.

Não quero que ele brigue comigo, ele sempre chega nervoso e briga comigo ou com a mamãe.

Pego o prato de comida e tiro o papel transparente que a mamãe colocou.

Coloco o prato no micro-ondas e coloco para esquentar.

Olho para os números na tela e depois para a porta.

Anda logo! Ele vai chegar a qualquer minuto.

Quando escuto a porta da frente abrindo e depois batendo com força é como se o meu coração parasse de bater por um segundo.

Olho para os números que mostram quanto tempo ainda falta para acabar.

Anda logo, anda logo!

Escuto seus passos se afastando e depois o barulho da TV que foi ligada.

O micro-ondas finalmente apita. Tiro o prato lá de dentro e coloco sobre o balcão. Corro até a gaveta para pegar a faca e o garfo.

- Cadê a minha janta? - Escuto papai gritando.

Pego o prato e vou para a sala. O cheiro do frango e do purê de batatas faz meu estômago roncar, mas sei que tenho que esperar mamãe chegar para comer.

Assim que entro na sala vejo papai jogado no sofá, assistindo ao jornal.

Coloco o prato em cima da mesinha na sua frente em silêncio. Sempre que eu falo alguma coisa é como se ele se lembrasse de que estou aqui, aí ele fica nervoso e me bate.

Viro-me e vou embora de fininho.

- Pare! - Ele diz e eu congelo no lugar. Com medo. Será que fiz algo errado?

Paixão em Jogo         (Livro 5)Onde histórias criam vida. Descubra agora