40 | EPÍLOGO

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Foram incontáveis horas presos dentro de um avião em direção ao outro continente. Charles ainda possuía feições cansadas e desoladas, mas fazia o possível para não demonstrar isso ao filho, ainda mais depois de ser consolado pelo mesmo — algo bem controverso e inusitado, mas era verdade.

Enfim o avião pousa. O homem tenta acordar Peter, que dormia com uma expressão triste, um pouco dolorosa, já que perdera a mãe em menos de uma semana. Ao ver que o garoto nem se mexia direito, Charles o pegou no colo e o carregou até pegarem suas malas e, enfim, chegarem em seu pequeno e agora menos acolhedor apartamento no subúrbio de Manhattan.

Charles colocou seu filho deitado em sua cama infantil de seu quarto, enquanto guardava as roupas e pertences que levaram à Londres.

Depois de algumas horas de descanso, Peter acordara perdido em seu quarto, meramente confuso com o fato de estar ali, e não mais no solo britânico, mas imaginou que isso se devia ao seu pai.

Ainda meio perdido, o garoto sentou-se na cama, apoiando seus pés no chão. Ele olhou para a janela e viu um deslumbre da lua, notando que já era tarde da noite. Ao se levantar, sentiu suas pernas fraquejarem. Ainda estava fraco e cansado do luto, não havia comido muito bem nos últimos dias e se isolara do mundo afora. Peter desabou no chão.

Com um vislumbre de lágrimas se formando em seus olhos acinzentados, lembrou-se da garota bonita de cabelos negros que encontrara no hospital, e em como ela parecia um idosa falando. Sorriu com a lembrança. "Quando você está no jardim, quais flores você colhe? É a mesma coisa com as pessoas.", lembrou-se o garoto. "Seria mesmo?", ele pensou.

Aquelas sábias e — em seu ponto de vista —, também, esquisitas palavras martelavam a mente do garoto. Não conseguia parar de pensar nelas.

Apoiou suas costas no encosto da cama, estendeu suas pernas no chão acarpetado e começou a revirar suas memórias, até lembrar-se da última sentença proferida por sua mãe antes da morte alcançá-la: "Filho, quando chegar em casa, olhe debaixo da sua cama, eu queria te dar o presente antes, mas acabou que eu não consegui..."

Peter sentiu a ansiedade e a animação rompendo-lhe por inteiro. Desesperado, rastejou-se por debaixo de sua cama, tateando cegamente todo o chão, até deparar-se com um objeto retangular desconhecido.

— Que lugar estranho para guardar um presente, mãe.

Abriu a embalagem cinza e verde e deparou-se com um livro de capa branca e vermelha. O título de cor negra vibrava entre as outras cores: Fio Vermelho.

Ele olhou a contracapa do livro e leu o conteúdo nela escrito. A sinopse era simples e curta:

"O fio pode embaraçar, emaranhar, mas ele nunca quebra. Ele é o amor."

Peter voltou para a capa e abriu o livro. Na primeira página, havia uma dedicatória escrita com a letra de sua mãe. Então, ele leu:

"Olá, Peter, meu amor.

Se você está lendo essas palavras, e não me ouvindo as dizer, é porque eu parti mais cedo do que esperava.

O conteúdo desse livro é aquilo que eu queria ter lhe ensinado caso tivesse sobrevivido por mais tempo: o amor.

Eu queria muito estar aí com você, no agora e no futuro. Queria te ensinar que não é nojento pegar na mão de uma garota, e que você só acha isso porque gosta dela. Gostaria de lhe ensinar que não é estranho o seu coração acelerar quando vê alguém que gosta. Gostaria de lhe ensinar que o amor é cego, surdo e mudo, e que a gente não o escolhe, é ele que nos escolhe, não se importando com o que a gente acha.

Eu gostaria de ter-lhe ensinado tudo isso, mas o destino não deixou.

Mas não fique com raiva dele. O destino teve outras escolhas para mim. Ele tomou decisões que acabaram por não me deixar cruzar o seu futuro. Mas saiba que, sabiamente, o destino está preparando algo para você.

E você pode até não acreditar nele, talvez, mas ele, com certeza, acredita em você.

Eu sinto que muitas coisas estão lhe aguardando no futuro, meu amor, então quero que leia esse livro para se preparar; sentir-se preparado para o desejar e o amar.

Posso não estar aí com você, mas lembre-se Peter: sempre estarei presente, se você acreditar.

Com eterno amor, mamãe."

Lágrimas.

A nascente de um mar salgado formara-se ao redor dos olhos de Peter.

Lágrimas e mais lágrimas descem sofregamente por seu rosto.

Por um momento, pode sentir a palma macia e aconchegante de sua mãe descansando sobre seu ombro, como se ela estivesse ali, ao seu lado, sentada como costumeiro. Podia sentir essa mesma mão passando do seu ombro até a extensão da nuca, enfim pousando sobre os cabelos morenos macios. Ela o afagava. Sua mãe deixava uma trilha de sentimentos passivos sobre o peito de Peter com aquele mero carinho.

O garoto abriu seus olhos recém-fechados pelo choro e olhou para trás.

Não havia ninguém.

Então sorriu. Pois sabia que ela estava lá. Ele acreditava nisso. Tinha que acreditar.

"Posso não estar aí com você, mas lembre-se Peter: sempre estarei presente, se você acreditar", foi o que sua mãe o tinha escrito. Então lembrou-se da garota novamente: "Um dia a minha mãe falou que as pessoas que amamos nunca partem de dentro da gente, mesmo que a morte as leve para longe.".

Seu sorriso se abriu ainda mais e sua alma se preencheu com um sentimento que nunca havia sentido. Enfim, talvez não estivesse mais só.

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