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BELLA

Os sentimentos aparecem e se vão do nada, quando você percebe, está sentindo algo e no dia seguinte é possível que esse sentimento vá embora mais rápido do que chegou. Isso se encaixa no que sentimos quando estamos com raiva, a cinco minutos atrás eu queria esganar esse garoto, e agora eu sinto apenas compaixão.

A forma como ele disse "É uma das poucas boas lembranças que eu tenho", me quebrou por inteiro. Porque eu sei que a vida dele não foi fácil, no fundo eu sei que temos que ter paciência para lidar com ele e que fazer com que ele se sinta acolhido é a melhor coisa a se fazer. Mas é tão difícil, na prática é tão complicado.

Sinto que se o Charlie desse o braço a torcer, Dylan teria um comportamento diferente. Mas dois ignorantes não dão certo, a convivência é terrível.

Então, acho que se eu for brigar com Dylan a cada vez que ele discutir com o Charlie, eu só vou piorar a situação. É como ele disse, É uma guerra dele e do pai dele. Eu não tenho nada com isso. Vou fazer a minha parte, vou tentar fazer dar certo e eu sei que sou capaz de construir uma relação de amizade com ele, sei que consigo.

Desde que ele chegou aqui em casa, eu fui a única que mesmo sendo difícil, teve uma conversa quase saudável com ele. A única que conversou por mais de cinco minutos sem brigar. Aconteceu na cozinha, quando ele tinha acabado de chegar e me deu aquele susto. Hoje de manhã não foi uma experiência muito boa, mas agora estamos conversando normalmente e sei que somos capazes de ir dormir sem ter discutido mais uma vez.

—Como é o nome dele? — perguntei.

—Ele?

—Seu amigo, que te deu o livro.

Dylan sorriu fraco, foi a primeira vez que vi seu rosto se contrair em um pegueno sorriso, mesmo que não pareça ser um sorriso sincero e feliz.

—Ele se chamava Anthony.

Engoli em seco, podia sentir a dor nas palavras que ele acabou de pronunciar.

—Se chamava?

—Anthony morreu a três meses.

Percebi que isso foi doloroso demais para ele, o que fez o meu sentimento se intensificar. Ele compartilhou comigo uma coisa linda que aconteceu com ele, uma lembrança boa que ele tem com alguém que sente falta.

—Eu sinto muito Dylan, de verdade. Não consigo nem mesmo imaginar a dor que é perder um amigo.

Tenho poucos amigos, apenas dois, e eu não consigo visualizar a minha vida sem eles. A dor da perda é terrível, meu maior medo é um experimentar ela algum dia, tenho tanto medo de perder alguém, eu simplesmente não aguentaria.

—Tudo bem — suspirou — Estou aprendendo a lidar com isso.

—Nunca aprendemos a lidar com a dor, com a saudade, com a perda.

—Quando se perde muitas pessoas no caminho, você acaba se acostumando.

—Não — neguei no mesmo instante — ninguém se acostuma com isso, esses sentimentos são dolorosos demais.

Observei ele sorrir fraco enquanto passava os dedos na tatuagem de cobra na sua mão, eram uma cobra e uma águia, lindas demais.

—Eu quis dizer, que depois de perder tanto, você acabada ficando mais forte para lidar com esses sentimentos. É inevitável.

Isso não fazia sentido algum na minha cabeça, acho que nós seres humanos, nunca vamos aprender a lidar com essa situação. É algo inevitável, sofremos, mas o sofrimento vai diminuindo com o tempo até restar a dor da saudade que te machuca todos os dias. Mas se acostumar com isso é demais, não dá para se acostumar em perder pessoas.

Até o fim Onde histórias criam vida. Descubra agora