Tóquio

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- Eu prometo.

- E promete também que vai se esforçar mais com os estudos? – Minha mãe disse me encarando séria enquanto dirigia nosso Suzuki Spacia.

- Aham. – Respondi, já cansada da conversa.

- Ayane... – Ela recomeçou após um longo suspiro.

- Mãe, eu já entendi. Podemos apenas seguir em silêncio? – Protestei.

A estrada entre Osaka e Tóquio era longa, mas eu preferia suportar o silêncio do que ouvir minha mãe retomar mais uma vez aquela conversa. Ela já tinha me feito prometer quatro vezes desde que decidiu se mudar de Osaka que eu não me meteria com gangues novamente. Eu olhava pela janela enquanto o sol se punha e pensava dolorosamente em tudo que havia deixado para trás ao mesmo tempo que sentia meu coração apertar ao pensar nas incertezas do futuro. Tudo estava confuso na minha cabeça.

Paramos brevemente para um lanche em uma lanchonete na beira da estrada. Minha barriga roncava de fome quando a garçonete se aproximou. Pedi o maior sanduíche do menu.

- E para beber? – Perguntou a moça que vestia um uniforme surrado escrito "Koko's".

- Cerv...Er... Água. – Respondi reagindo ao olhar severo de minha mãe.

Minha mãe então iniciou um monólogo sobre como nosso apartamento em Tóquio era um achado e quais eram seus planos para decorá-lo. Pouco interessada, fui capturada pela televisão que exibia uma reportagem sobre um cachorro que atravessou a linha do trem inteira sem ser atropelado gerando comoção nacional.

No instante seguinte, o âncora do jornal pigarreou e mudou drasticamente o tom de voz. Anunciou a próxima reportagem: "A seguir: Conflitos entre gangues aterroriza Tóquio...". Foi o suficiente para chamar a atenção de minha mãe, que agora mirava a televisão com os olhos arregalados.

"Gangues rivais de marginais se encontraram nesta tarde em um dos bairros mais movimentados de Tóquio. Houve confronto entre os integrantes e a polícia foi acionada. Ao chegar ao local foram identificados alguns dos envolvidos e os feridos foram encaminhados ao hospital. Ao que tudo indica, uma das gangues é composta por adolescentes, muitos deles ainda na escola. A polícia abriu um inquérito..."

Acredito que neste momento, e talvez somente nesse momento, eu e minha mãe pensamos a exata mesma coisa, embora com diferentes intenções.

Preciso saber onde eles estudam.

O restante do caminho pareceu passar mais rápido. Liguei o rádio para preencher o silêncio e minha mãe fez uma careta. Ela não gostava das minhas músicas.

Já eram 20:45h quando finalmente chegamos. Despertei com o desligar do carro, nem havia me dado conta do cochilo. Estávamos em Tóquio, no bairro de Asakusa, um bom bairro para se morar, segundo minha mãe. O prédio não era alto, tinha quatro andares e uma arquitetura antiga, tradicional que combinava com o restante do bairro.

Entrei no apartamento depois da minha mãe que de cara me repreendeu por não tirar os sapatos. É, eu tinha esse péssimo hábito.

O apartamento era espaçoso, parecia ter sido reformado. Estava praticamente vazio, exceto por algumas poucas mobílias cobertas por lençóis amarelados. Me perguntei onde dormiríamos. O restante da mudança deveria chegar no caminhão no dia seguinte.

- Eu trouxe uns colchões infláveis no porta-malas, pode ir buscar? – Disse minha mãe.

Assenti com a cabeça e peguei as chaves.

Desci as escadas do prédio sem pressa, assobiando uma música que havia escutado no rádio.

Parei em frente ao carro e dei um suspiro. A ansiedade ainda me consumia. Eram tantas incertezas...

Ouvi um barulho alto vindo da esquina e me assustei. Na verdade, eram vários barulhos juntos, formando um verdadeiro estrondo. Me virei para a origem do som ensurdecedor, mas mal pude ver do que se tratava, pois uma luz forte me forçou a virar o rosto. Olhei para frente e então pude ver com clareza várias motocicletas passando na mesma velocidade, pessoas vestidas de preto as dirigiam enquanto riam e falavam alto.

Fiquei estática na calçada, sem mover um músculo, torcendo para não ser notada. Eles não dirigiam rápido, então minhas chances eram baixas. De repente a reportagem de mais cedo me veio a mente e eu senti medo, estranhando aquele sentimento. Estava perdida em devaneios quando ouvi uma buzina.

- Ei! Gostei da tatuagem. – Disse o garoto que montava a moto.

Ele se referia à minha única tatuagem no braço direito. Era o desenho de um dragão azul.

Congelei com o elogio. Meus olhos fixos no chão imediatamente embaixo do garoto, covardes demais para encará-lo. Por que eu estava tão apavorada? Logo eu, que sempre era tão destemida e inconsequente.

Respirei fundo e levantei a cabeça num gesto único, para então olhar o motociclista.

Não estava pronta para o que vi a seguir. 

Cabelos Negros - Keisuke Baji x ReaderOnde histórias criam vida. Descubra agora