Neve

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Eu e a neve sempre tivemos uma relação de amor e ódio. Quando criança eu achava que a neve era sorvete de baunilha, eu poderia juntar aquele creme branco e comer, depois descobri que é mais como raspas de gelo que descem cortando a garganta e "queimando" os lábios. Adorava brincar na neve, odiava ir para casa quando a nevasca atingia o internato, adorava jogar bolas de neve na Meila. Como eu disse, amor e ódio.

 Dentre os episódios mais traumáticos pra mim na neve, o acidente foi um dos piores dele, quando penso nisso posso lembrar do frio na barriga que senti, enquanto todos os objetos eram jogados dentro do carro, depois que ele derrapou e capotou na estrada. Não foi culpa de ninguém, foi só o acaso, aquela parte da vida que não podemos prever, que acontece além do nosso querer.

Talvez seja algo que eu deveria ter mencionado antes, mas isso não me define, eu não deixo me definir então menciono nesse momento. Eu manco, tenho uma deficiência na perna, mas se perguntarem a qualquer médico dirão que tive sorte,  quase perco a perna,  fiz várias cirurgias, tenho placas, parafusos e duas cicatrizes. Mesmo que eu não possa mais correr, isso não me impediu de viver, cursar uma faculdade, aprender a dirigir... ainda que incomode nos dias frios e atrapalhe na subida de escadas. Acredite o acidente me deixou marcas piores do que essa deficiência na perna.

A neve nos atingiu em cheio, as meninas se despediam dos professores e umas das outras, elas iriam para casa até o clima mudar, nem todas estavam felizes de voltar para casa, muitas meninas vêm de lares conservadores, pais que não sabem como educar uma adolescente e se livram do "problema" mandando para um internato, algumas preferiam acompanhar as amigas só para não voltar para casa, exatamente como eu já fiz. Me despedi de todas e também dos professores, até Delphine iria para casa e no meio disso tudo eu acabei ficando, com toda a mudança que ocorreu na minha vida nos últimos meses eu não tive tempo de comprar um apartamento, estava desesperada ao telefone tentando encontrar vagas nos dois únicos hotéis que existem na cidade mais próxima.

_Olha moça é uma emergência...Todos os quartos ocupados, entendi, mas não tem nenhuma desistência de última hora? Ok, obrigada_ bati o telefone com força no gancho.

_ Bom saber o respeito que você tem pelo o patrimônio desse internato_ Meila disse ácida.

Me virei só para ver o quanto ela estava linda, Meila vestia um casaco preto de botões que iam até a sua coxa, uma calça jeans também preta e uma camisa social branca por baixo do casaco, além de um cachecol vermelho em volta do seu pescoço, sem falar no cabelo preto curto com grandes mechas atrás da orelha e seu característico batom vermelho nos lábios. Eu tenho certeza que fiquei olhando-a mais do que o necessário, pois ela teve que pigarrear até que me toquei e olhei para um ponto qualquer tentando disfarçar que estava secando-a.

_ É bom você se apressar senhorita Duvall, o zelador já está fechando algumas alas do internato.

Me bateu um desespero_ existe alguma possibilidade de que eu possa ficar aqui no Monsenhor Olegaries? _ Disse juntando as mãos em forma de oração próximo a boca.

_ O que? _ Ela disse arqueando as sobrancelhas_ O que você faria em um lugar sem aquecimento elétrico durante uma nevasca? Além disso todos os empregados já foram para as suas casas, o que você comeria? Não que eu me importe_ Meila disfarçou a preocupação.

_ Não consigo vaga em nenhum hotel. Eu não entendo o que tanta gente vem fazer em Abadia essa época do ano.

_ Como você esqueceu do festival de inverno? _ Meila disse incrédula.

_ É claro! Valentina sua burra! Ai meu Deus, agora eu tô ferrada_ Coloquei as duas mãos na testa aflita

_ Você não tem um apartamento?

Se não fosse aquela noiteOnde histórias criam vida. Descubra agora