Recuperei-me daquela crise de choro. Talvez eu estivesse com depressão, talvez já fizesse tempo e eu nem percebia. Meu pai não percebia. Mary não percebia. Nem ao menos eu percebia os sinais da depressão, mas agora que eu me sentia cada vez mais machucada e diminuída, estava achando que eu estava mesmo com depressão.
Engoli o choro.
Então terminei de pintar o quadro. Por estar triste, talvez o quadro tenha saído naquela vibe triste também. Eu não saberia dizer.
Os tons escuros refletiam minha vida escura. Os pontinhos de luz, a única esperança que eu ainda tinha em minha vida. Ainda tinha esperança, mesmo que essa esperança seja pouca. Eu ainda tinha.
Deixei o mesmo arejando para secar a tinta. Guardei as tintas já caixa, todas tapadas e limpas, junto com minha aquarela, antiga e suja. Limpei os pincéis e depois coloquei a tela na parede do meu quarto.
Quando eu deitasse na cama, teria a visão dela. Seria a primeira coisa que eu olharia quando acordasse todos os dias, e que veria por último, quando fechasse os olhos para dormir.
Resolvi ir tomar um banho. Foi isso que fiz. Lá derramei mais algumas lágrimas e sentir uma dor profunda em meu peito. Fiquei vendo a água derramar em meus cabelos e cada metade do meu corpo.
Tive que me arrumar rápido, pois meu pai estava em chamando lá em baixo. Era para jantar.
‐ Você ficou tantas horas dentro desse quarto, que parece que esqueceu das horas. - Ele diz, dando um sorriso fraco. Sorri também, fraco.
- Eu estava pintando. - PAPAI me encara e então seus olhos brilham. Ele amava quando eu pintava, por mais raro que seja, ele amava. Ele sabia que eu tinha puxado esse dom dele, mas meio que escondia o mesmo, e quando eu o libertava, papai dizia que eu podia fazer coisas incríveis.
- Oh querida. Eu sempre soube que você voltaria a pintar novamente. - Diz, sorrindo e vindo até mim. Pega em minhas mãos. Sinto os calos nas Palmas de suas mãos e vejo os fios de cabelos brancos tomarem conta da sua cabeça. - Depois quero ver. Se me permitir.
- Está em meu quarto. - Dou um aperto de leve em sua mão. Então nos abraçamos. Gostaria de dizer à ele o quanto o amo, que ele é a pessoa mais especial da minha vida, mas não consigo. Minha garganta se fecha, evitando o choro e presa pelas palavras que não saem da minha boca.
Manter todos aqueles sentimentos ali era sufocante para mim. Algumas coisas tinham me deixado tão machucadas, que era quase impossível eu voltar a ser o que eu era antes. Jamais voltaria, eu tinha certeza.
Meu pai me soltou e olhou em meus olhos e sorriu. O sorriso dele parecia um pouco com o meu. Ele tinha uma covinha no canto da boca, eu também tinha. Era bem parecida com ele.
- Vamos jantar. - Ele deu de ombros. - Mary já deve estar furecida com nós dois! - Acompanhei ele até a cozinha e ele acertou. Mary já estava com as mãos na cintura, prestes a chamar-nos.
- Achei que não viriam mais. - Mary diz e revira os olhos. Gesto que eu gostava de fazer muito. Meu pai riu e apertou a bochecha dela. - Para, John! - Ele se rendeu e se sentou na mesa. John McLean é o meu pai. Mary Travis McLean é a minha madrasta. Nunca parei para perguntar ao meu pai, o nome da mulher que me deu a luz. Ele também nunca falou.
Então nos sentamos à mesa. Prestei atenção em como meu pai olhava para Mary. Parecia que ele era o céu na terra para ele. Da mesma forma de como Noah olhava para aquela menina que sempre estava com ele.
Eu não queria pensar nele.
[...]
A segunda-feira veio rapidamente. Fiquei pensando se eu iria para a faculdade ou não, ou ficaria em casa. Eu tinha acordado cedo e após me arrumar, peguei minhas coisas e fui esperar o ônibus no ponto certo.
Pela primeira vez, estive mais cedo no ponto de ônibus. Ninguém estava ali, só eu. Sentei-me num banco e coloquei meus fones, porém, sem música nenhuma.
Aos poucos outras pessoas iam chegando. As meninas que vestiam iguais, mesmo não sendo gêmeas, chegaram.
Uma era mais alta que a outra uns dois ou três centímetros e era mais gordinha. A outra era cheia de pintinhas no rosto. Essa parecia ser mais tímida e era a que tinha sorrido para mim, quando Noah estava correndo atrás do ônibus naquele dia.
- Oi. - Ela disse. A outra ficou calada.
- Oi. - Eu respondi. Ela sorriu, corada de vergonha e se sentou no outro banco, ao lado da outra. Acho que deveriam ser irmãs. - São gêmeas? - Indaguei.
- Ah, não - aquela disse, rindo. - Somos irmãs só. Sou a Dany e ela é a Fany. Nossa mãe criou a gente como se fôssemos gêmeas. Até as roupas ela comprava tudo igual, desde então crescemos assim e toda vez que saímos na rua, recebemos essa pergunta. - Dany explicou.
- Entendi. - Falei.
Então o assunto se cessou. O casal de namorados chegaram também. Falaram conosco. Percebi que trocavam beijos e palavras. Um mais romântico que o outro.
O ônibus já havia chegado. Fui a última a entrar, porque fiquei olhando para ver se conseguia ver Noah Howard. Parecia que ele não iria hoje.
Mas quando já estava sentada no fundo do ônibus, a porta do veículo foi aberta e ele entrou. Automaticamente, as batidas do meu coração aumentaram rapidamente.
Noah infelizmente se sentou ao lado das meninas quase gêmeas, que riram quando ele se sentou. Percebi que estava de boné e haviam olheiras profundas em seus olhos. Ele estava mais descuidado do que os outros dias.
Fiquei com uma pulga atrás da orelha, mas quietei. Precisava me concentrar nas aulas hoje.
[...]
Já estava dentro do ônibus, voltando para casa. Até que as horas passaram rápido hoje, o que era infinitamente bom para mim.
Não conseguia me concentrar direito e estava com muito sono e fome. Não sei o que estava acontecendo comigo, mas eu sabia muito bem que era sintomas de paixão. Eu só queria que aquela mágoa e dor em meu peito passasse.
Olhava os carros passando. Nova York estava frio hoje como todos os dias. As pessoas passavam trombando uma nas outras. Era tudo muito monótono.
Então o ônibus parou. Só vi o momento em que Noah Howard saltou de dentro do ônibus e virou o quarteirão correndo. Não tive tempo de processar nada, porque minha curiosidade e preocupação era maior.
Ele tinha voltado a correr.
Noah Howard tinha voltado a correr.
Havia dias que ele tinha parado de fazer isso, ele estava mais calmo, menos ansioso. Mas agora tudo voltou ao normal.
Ouvi a risada do pessoal no ônibus. Me senti irritada, então saí dali em passadas rápidas, indo embora para casa.
Havi acontecido algum coisa com ele.
***
Seguinte..."E eu grito sem medo"
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O Garoto Do Ônibus || Concluído ✔️
Ficção AdolescenteBruna só tinha 19 anos, não merecia ter que carregar o fardo de tantas coisas sobre si já com tão pouca idade. Uma garota que corria atrás dos seus sonhos e desejos mais profundos do coração, marcada pela vida difícil, tudo que ela queria era uma op...