62 - O quê é belo não morre.

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Começou pingar enquanto eu voltava para casa. Ainda mais solitário que eu, era aquela chuva fina que caia dob minha cabeça. Fazia tanto frio, e a chuva me deuxava angustiado.

Imaginava como eu seguiria minha vida agora. A pior parte é quando temos que aceitar que ela se foi. Não queria aceitar, não queria nada disso.

Peguei meu celular e o desbloqueei pela primeira vez, engolindo em seco, ao ver a nossa foto no papel de parede. Nossas mãos unidas, significava tanto para nós dois. Funguei para não chorar. Limpei a tela do celular dos respingos da chuva no casaco, e cliquei no contato dela, vendo a foto de perfil dela. Estava tão bonita, olhando fixamente para a câmera, os braços
cheios de pulseiras, e os cabelos com umas fitas vermelhas. A maquiagem colorida destacava seus olhos, a deixando ainda mais bonita e estonteante.
Meu coração deu um salto. Eu estava apaixonado por ela, como seguiria meus dias sabendo que a pessoa que mais amei partiu dessa vida? Antes, eu teria o consolo de amá-la se não fosse correspondido, mas era... e ela não estava mais ali para fazer meu coração completo.

Cliquei num dos áudios. O mundo parecia ter parado de vez, quando escutei o som de sua risada. Parecia a coisa mais gostosa que eu já havia ousado escutar antes. Parecia o som de ondas se quebrando, ou algo assim.

Fui arrastando o dedo pelas mensagens, lendo e relendo, ouvindo o som de sua risada, meu coração se quebrando e algo mais.

[...]

- Ela fez esse quadro aqui...- O pai dela disse. - Minha menina era tão talentosa.

Observei os traços daquele quadro negro. Era como se eu pudesse ver a alma dela através daquela pintura. Bru vivia reclamando disso e aquilo, mas nunca parava
para se elogiar. Ela era cheia de talentos escondidos e ocultos. Fiquei triste ao pensar que ela poderia ter usufruído mais daquilo, daqueles talentos. Mas ela não teve chance.

- Não sei o que será da minha vida agora. - Murmurei, esfregando as têmporas. - Parece que tudo perdeu o sentido e ficou cinza. Olha para isso! - Apontei para a casa onde ela vivia. É fácil imaginar a Bru andando por aqueles corredores, fazendo isso e aquilo, e essas lembranças são mais perfeitas para os pais dela que acompanharam tudo isso. - Tudo parece ela.

- Eu sei...- Murmurou. - Temos que ser fortes. A minha filha nunca gostaria que vivêssemos por aí tristes. Eu olho para cada canto dessa casa e só consigo pensar nela e nas vezes em que eu a via por aí perambulando. - Todas as vezes que ele começava falar dela, ele começava chorar. - Ela não me falou de você. É uma pena que só conseguimos nos conhecer num momento como este, Noah. Mas pelo que Mary me contou, ela estava feliz ultimamente. Ela até cantarolava vez ou outra. Você trouxe uma paz para ela que eu nunca tinha visto antes.

Não imaginei que estava precisando escutar aquelas palavras tanto assim, até ouvi-las.
Eu estava preocupado de ela guardar mágoa de mim, de ter partido com mágoa por ter me pedido ajuda e eu não ter aparecido. Me sinto péssimo, me sinto horrível toda vez que fecho os olhos.

- Eu estou péssimo. - Encarei a parede. - Ela pediu minha ajuda. Eu estava lá? Óbvio que não estava! Fico pensando se ela guardou mágoa de mim, poxa... ela morreu! Partiu desse mundo e não sei se me amava o suficiente.

Aquela verdade estava me corroendo por dentro. Queria tanto uma resposta, queria ver uma solução. A verdade dói demais. Queria as vezes dormir e acordar, e tudo ser um pesadelo do qual eu não gostaria de ter nunca mais.
Contudo, acordo, olho para a parede e a ficha cai. Não há sorrisos dela próximo a mim, seus olhos não me acompanham mais, e ela não me odeia por ficar beliscando ela aqui e ali.
Encaro o vazio, na esperança de que meu coração seja preenchido de novo. Tento me acalentar na certeza de ter boas recordações, mas não é o suficiente. É um vazio que preenche todo o meu ser. É difícil explicar em tantas palavras, mas se isso persistir, temo não conseguir sair disso.

- Olha, eu tenho certeza que ela te amava sim. E você realizou aquele sonho dela. Eu vi as fotos dela, vi o quanto estava feliz. - Ele colocou a mão em meu ombro. - Eu tenho certeza que ela não guarda mágoa de você. Cedo ou tarde, você saberá disso e encontrará a resposta que precisa. - Assenti. - Ela se foi, mas às boas lembranças permanecem conosco e nem o tempo fará esquecê-la, porque quando a garoa passa, o sol volta novamente, antigindo até os lugares mais escuros.

Seja lá o que tenha acontecido, eu senti conforto naquelas palavras. Me senti acolhido como nunca antes. Eu o olhava e via a Bru nele. Era até engraçado a forma como os dois se parecia. Me doía ter que olhá-lo e me lembrar daquele rostinho que nunca mais verei.

- E a sua faculdade? As pessoas estão comentando e seus amigos vão te deixar.

- Não me importo que me deixem. Eu perdi alguém a quem nem pude dizer adeus. - Me levantei do sofá, onde estávamos organizando as coisas dela. - Vou pra casa. Mais tarde apareço por aqui.

Olhei para uma das caixas e peguei o quadro dela, e coloquei numa embalagem, disposto a leva-lo para casa. Peguei também um caderno de desenho onde havia alguns rabiscos. Haviam coisas que ela nem pôde
terminar de fazer, porque não teve tempo.
John acenou para mim e eu sai, levando aquelas coisas comigo.

Eu não quis confessar, mas surrupiei o perfume dela para mim. Me doía ter que senti-lo, e saber que ela não estava mais aqui. Essa realidade ainda vai me matar.
Eu caminhei para casa, com meu luto atolado na garganta.

Fico pensando em como tudo pode acabar assim tão de repente. Nunca tinha me entregado para uma garota assim completamente, nunca tinha amado uma garota da forma que a amei. E ela se foi. Pegou meu coração e levou consigo. Jamais esquecerei da forma como ela se entregou a mim, me amou, me fez amar alguém,
ela confiou em mim. Essas lembranças me enchem de esperança, sinto que jamais a esquecerei. Será para sempre lembrada como a garota que salvou Noah Howard da ansiedade.

As pessoas não de importavam comigo, tampouco queriam saber sobre mim. Ela foi a única a insistir e ainda que me chamasse de prepotente e amargurado, ela queria saber a verdade sobre mim.
Dei um sorriso fraco ao lembrar de tudo. Acho que fiquei um pouco inebriado pelo jeito que ela se comportava perto de mim. Aquela garota me deixou doido.

Sempre me lembrarei dela como a garota que trouxe meu brilho de volta, a garota que derramou café na minha blusa branca; a garota mais estabanada que já vi na vida.

Levantei a cabeça bem a tempo de ver um cartaz em uma loja que atraiu a minha atenção. Não sei qual o sentido dele ali, mas seja lá quem o colocou, atraia a atenção de muita gente.
Trazia os dizeres: "O que é belo não morre: transforma-se em outra beleza."

- Bru, você é o amor da minha vida.

•••
Seguinte...

O Garoto Do Ônibus || Concluído ✔️ Onde histórias criam vida. Descubra agora