Capítulo 19

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Não lembro quando foi que perdi a minha inocência, o jeito leve e tranquilo de enxergar a vida. Não lembro a última vez que apenas senti o vento batendo contra o peito com prazer, com a sensação de liberdade e tranquilidade. Os últimos anos foram sempre com pressa, resolvendo papeladas e com a cabeça baixa para o celular. Meus melhores amigos eram os meus contadores e investidores, já que era com eles que eu conversava oitenta por cento do meu dia. 

Me tornei um homem de negócios. 

Eu sempre quis ser igual ao Marco, e as vezes me questiono porque me tornei o Henry. 

Marco jogava bola na areia, chegava do trabalho para assistirmos filmes, nos levava aos clubes de final de semana, e fazia um ótimo churrasco. Ele se doava dia após dia para a família, e junto com a minha mãe eles se tornavam um time imbatível. 

Fomos tão felizes. 

Observo Théo conversando com a sua mãe e me pergunto por qual motivo eu o abandonei. Por que eu o deixei sozinho nas mãos do Henry? Marco teria deixado o próprio irmão? Agora Henry... sem pensar duas vezes, afinal, ele deixou um filho. 

Que tipo de pai eu iria ser? Que a Helena me mate se eu for igual ao que tem o sangue correndo em minhas veias. 

- O que foi? - Antonella senta ao meu lado. Seu tom é suave, quase compreensível. 

- Estou perdido. - Assumo cansado.

- São muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo, Pê. - Passa a mão no meu ombro, tentando me tranquilizar - Você não conseguiu respirar desde que voltei. Foram muitas novidades em um curto espaço de tempo. 

- Mas isso não deveria tirar minha identidade. - Virei o pescoço para olha-la. Antonella é o amor da minha vida, olha-la me faz lembrar que meu coração bate fora do peito. O que me aterroriza mais ainda o fato de que vou ter um filho. - Eu fui um babaca esses últimos anos.

- Sim. - Concorda. Levanto uma sobrancelha e ela ri - Ah, não era para concordar? Não esquenta. Nós te amamos. 

- Théo quer ficar. - Sussurro só para que ela ouvisse.

- Uau. - Comprimi os lábios. Eles vão relaxando como se ela conseguisse ler os meus pensamentos. - Você deixou? Pedro...

- Lógico. Poderia ser você ou o Kaio. Não é irônico? Ele é o meu próprio sangue e, bom, mesmo que eu esqueça, o Kaio não é... e céus, eu daria a vida por aquele imbecil. 

- Eu também. - Da os ombros - E olha que ele chegou anos depois. 

Rimos juntos com as lembranças da nossa infância.

- Você tem certeza? Você sabe que será uma responsabilidade enorme. Não é apenas o nosso irmão, é um irmão que o Henry está caçando.

- Nosso. - Sorrio e seguro na mão da minha irmã - Ele é o meu irmão. Não precisa carregar isso com você.

- Tudo bem. - Bate no ar como se fosse algo irrelevante - Você carrega o meu.

Gargalho, sentindo uma onda de felicidade cobrindo o meu peito. Há tempos não ria de coisas bestas como essas. 

- Nós não somos como eles foram. - Ela começa, quando terminamos de rir - Mas eu amo quem nós somos. E ainda sinto a mesma segurança que sentia com o papai, quando estou com você. 

Observo Helena sorrir com Angela, enquanto Théo provavelmente conta algo engraçado. 

A época com a Gabi, Eduardo, Amélia e Marco foi ótima. Contudo, agora vivemos em um outro ciclo, e por mais que o meu maior desejo fosse viver da forma que eles viveram, hoje a minha realidade não permite. Fico feliz que eles tenham feito da minha infância a melhor possível, e desejo de corpo e alma que o meu filho um dia cultive memórias tão incríveis como as minhas. Espero que Théo sinta-se acolhido assim como o Kaio. 

O Império VasconcelosOnde histórias criam vida. Descubra agora