Centenas de anos

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- Empurre Astória, só mais uma vez – a medibruxa pediu, com a cabeça mergulhada entre suas pernas.
- Você consegue, Tory – Draco a instigou, segurando suas mãos. Ele estava aliviado de estar nesta parte, o bebe havia demorado demais e ele estava apavorado com sua saúde e a de Astória.
Ela respirou fundo e esperou a nova contração, e então empurrou.
- A cabeça saiu, continue – ela ouviu, de muito longe, a voz da curandeira e com um assobio, que logo virou um grito, ela empurrou novamente. Ela largou as mãos do marido para poder segurar os próprios tornozelos e fez uma ultima força, se empurrando para trás quando sentiu o bebe passando pela pélvis. Essa parte não doeu mais. Era maravilhoso.
- Oh Tory, você conseguiu, ele está aqui.
Draco olha hipnotizado para a figura ensanguentada que a medibruxa exibia. Seus cabelos loiros já visíveis mesmo em toda a pintura de sangue e vernix. Ele engasgou com o reboar do seu coração, sentia que ele duplicava de tamanho.
- Quer cortar o cordão, papai?
Draco passou a varinha onde ela apontou e se virou para a mulher, que tinha o rosto muito suado e vermelho, os olhos violetas brilhantes, e mechas de seu lindo cabelo preto grudadas em sua testa. Nunca a tinha visto mais linda. Ela conseguiu, ela o fez pai. Ele secou as lágrimas sem nenhum constrangimento.
A mulher morena colocou o bebê ainda nu nos braços da mãe, que arrulhava algo parecido com “não chore, não chore, mamãe está aqui, mamãe esta aqui”.
- Ele não chorou... – reparou Draco, com uma pontada de ansiedade.
A médica esfregou as costas do bebê ainda nos braços da mamãe e ele arquejou, lamuriando baixinho.
- Encoste-o no seio, assim – curandeira mais velha ensinava com paciência – apoie a cabeça dele assim, isso, e segure o seio desse jeito, veja, ele abriu a boca.
Astória arfou surpresa quando o bebê abocanhou seu mamilo, sugando com força.
- Ele é forte – aprovou a curandeira.
Enquanto o bebê mamava, a medibruxa passava a varinha e fazia vários feitiços de diagnósticos.
- Sua saúde é perfeita – ela assegurou – veja como é forte sua assinatura mágica, um mago muito poderoso, e com esse nome...
- Scorpio – disse Astória, baixinho, afagando os cabelos pálidos do filho.
Draco a olhou, confuso.
- Scorpio, meu amor? Não havíamos concordado com Hyperion?
- Scorpio Hyperion Malfoy – ela afirmou com meiguice, mas sem nenhuma possibilidade de ser contrariada.
Draco suspirou e escovou os dedos na bochecha da esposa, sorrindo.
- Scorpio então. Será seu protetor.
- Nosso. Nosso protetor. – ela abaixou a cabeça e sentiu o cheiro de casa e amor que exalava daquela cabecinha e as lágrimas afluíram, correndo soltas, em cascata. Fazia tanto tempo que ela não experimentava esse tipo de lágrima, essas de alegria. Seu coração regozijou e ela soluçou baixinho.
Draco segurou seu rosto novamente, e a olhou dos olhos.
- Posso? – ele perguntou, humilde.
Ela recostou a cabeça e sorriu ao ver seu marido segurando seu filho, tão parecido. A felicidade era cansativa, entretanto, e ela deixou seus olhos se fecharem, por apenas um momento.
Draco segurou Scorpio e velou o sono de Astória, se sentindo imensamente feliz, por horas, ele sequer notou a passagem do tempo.
...
Draco saiu do quarto rapidamente, para convidar uma Daphne e Narcisa muito ansiosas a entrarem no quarto e conhecerem o novo herdeiro Malfoy. Mais tarde, ele encontrou Theodore e Isaac, pai de Astória, em uma recepção lotada, havia muitas cabeças vermelhas ali. Parecia que o grupo “eu-odeio-Draco-Malfoy” estava ali em peso.
- Malfoy – Neville o chamou, a confusão em seu rosto o fazendo parecer muito mais jovem – o que faz aqui?
- Eu que pergunto, Longbotton, meu filho acabou de nascer, mas ainda não avisei ninguém, somente a família, como soube?
- Hyperion nasceu hoje também? – perguntou ele, divertido.
- É Scorpio agora, mas o que você quis dizer com “também”?  - Draco reparou que Neville arregalou os olhos com o novo nome do seu bebe, mas ele não disse nada, somente apontou para Rony Weasley, que tinha o rosto muito vermelho e abraçava um homem de cabelos igualmente rubros, provavelmente um irmão, e ergueu o olhar, pegando os olhos de Draco. Se desvencilhando, ele se encaminhou para Draco com um esgar no rosto.
- O que faz aqui, Malfoy? – ele perguntou, com rispidez.
Draco reparou que todos estavam observando.
- Meu filho acabou de nascer, Weasley, e ao que parece, está dividindo o dia com o seu.
Potter, que segurava um bebê de cabelos muito escuros, se aproximou dos dois homens para poder interferir caso precisasse, e riu ao ouvir as novidades.
- Quer dizer que o filho de vocês vai dividir o aniversário? – ele comentou, jocoso – e ainda quer me dizer que não acredita em coincidências? – ele deu uma leve cotovelada nas costelas do seu amigo ruivo, o assunto parecia familiar.
Ronald pareceu bravo, as pontas de suas orelhas se avermelharam e ele abriu a boca, provavelmente para poder amaldiçoar Malfoy, mas o homem pálido foi mais rápido e estendeu a mão.
- Parabéns pelo menino. – era o dia do nascimento do seu filho, afinal, e ele se sentia magnânimo. A última coisa que gostaria seria arrumar uma briga para macular essa data.
Ronald pareceu desinflar como uma bexiga furada. Ele olhou rapidamente para Harry, que sorriu, e apertou a mão que lhe foi oferecida.
- É uma menina, Rose Anne Granger-Weasley.
Draco sorriu com a menção do hífen.
- É um nome grande. O meu se chama Scorpio Hyperion Malfoy.
Harry virou o rosto rapidamente, o que poderia ser para esconder um sorriso e Rony murmurou algo que parecia como “parece nome de doença”, mas Draco não se importou, fazia sentido para ele e Astória e isso era o suficiente.
Sem perceber, os três homens se encaminharam para a parede de vidro do berçário, onde dois bebês estavam deitados lado a lado, um com os cabelos brancos e enrolado de azul, que estava em sono profundo e sequer parecia ouvir a gritaria que a outra criança, de cabelos flamejantes e enrolada em um cobertor rosa, bramia, agitando os pequenos punhos no ar.
- Eles irão juntos para Hogwarts – comentou Harry – serão do mesmo ano de Albus.
- Já imaginou se eles viram amigos? – Neville, que Draco nem havia percebido que havia seguido, comentou brincalhão.
- Já imaginou se eles viram namorados? – um homem ruivo comentou, com os cantos da boca subindo.
- Puta que o pariu, George, não me faça te bater no dia no nascimento da minha filha – explodiu Rony, enquanto Draco fechava a cara e continha um arrepio; o terror era inimaginável.

oOo

- Ele é tão lindo – sussurrou Draco, acariciando a cabecinha cheia de tufos platinados de Scorpio.
Daphne bufou:
- Você pode falar isso, ele é sua cara.
Astória sorriu e passou a mão na bochechinha dele.
-Mas ele é realmente muito lindo. O bebê mais lindo do mundo.
Daphne ouviu um grito e levantou a cabeça.
- Acho que Delilah está se fazendo presente lá embaixo, Dore não é páreo para ela, nunca foi...
Ela passou a mão na barriga pequena e saiu, descendo as escadas com precaução
Astória e Draco se entreolharam, sorrindo largamente. Scorpio mamava em sua mãe, que descansava em uma poltrona azul, em seu quartinho.
-  Ele poderia ter puxado ao menos os seus olhos..., mas enfim, como você está se sentindo? – Draco inquiriu, acariciando a face da esposa
Astória sorriu para ele.
-  Não fale assim do meu filho, ele é perfeito, estou vivendo um sonho, el-
- Não te incomoda a amamentação? Ele tocar em seus mamilos?
Ela balançou a cabeça com suavidade.
- Não, não incomoda. É meu filho, se ele precisasse que eu tirasse o seio fora, é o que eu faria, ele só pede os mamilos...
- Você é tão forte Tory...mesmo depois de tudo que aconteceu conosco, e o que aconteceu naquela cabana empoeirada, você ainda está aqui, e conseguiu entregar nosso filho tão saudável, tão bem...
Astoria sorriu novamente, com os olhos enchendo d’água e mexeu, sem graça, em um colar novo que adornava seu pescoço, presente de Draco. Ela não se achava forte, achava que era egoísta, pois fez somente o que queria. Scorpio era o desejo mais escondido de seu coração, e sobreviver àquela noite, era apenas necessário.
Com um suave pop, a boca do bebê se desprendeu de Astória.
- Posso? – perguntou Draco, já com as mãos esticadas.
Ela colocou o bebê ali, aliviada do peso e já sentindo saudades, observando o marido colocá-lo no peito e esfregar suas costas, com suaves batidinhas. Draco era natural. Scorpio sempre dormia mais rápido com ele, e era ele quem sempre o acalmava primeiro. Não conseguia acreditar que houve uma época em que Draco a puniu por engravidar e disse não querer filho nenhum.
- Por que você está chorando? – quis saber o marido, segurando o bebê com uma mão só e estendendo a outra para Astória, que a pegou e descansou nela sua bochecha.
- Eu só estou tão feliz...
- Eu também, Tory, eu também.

oOo

Dezembro 2006
Draco checou duas vezes se a capa de plástico cobria todo o carrinho do bebê. Por mais que ele tivesse lançado feitiços de aquecimento (reforçados por Astória e Pippa) ele ainda não queria que o Scorpio fosse submetido ao tempo frio de inverno, por mais breve que fosse sua viagem pelo Beco Diagonal; ele ainda não havia terminado suas compras de natal e estava ansioso para passar na joalheria e pegar a joia mágica que havia encomendado a Astória. Conseguiu a custo que ela se separasse dele pela tarde, mas Draco queria que ela descansasse e gostaria de começar uma nova tradição, em que faria compras com seu filho pelo beco, não na Travessa do Tranco, como havia sido em sua infância.
Conseguiu manobrar com dificuldade o carrinho pela horda de pessoas que, como ele deixaram as compras de natal para o último minuto, e parou um pouco para olhar para seu filho, percebendo, minutos depois que estava em frente à loja de artigos para quadribol e sem se conter, vasculhou as vitrines, procurando uma vassoura infantil, sabendo muito bem que Scorpio era novo demais para elas.  Foi quando suspirou e conduziu o carrinho para entrar na loja, resolvendo enfim comprar a vassoura (ele quase podia ver o sorriso resignado que Astória lhe daria) que sentiu uma umidade peculiar na bochecha.
- Comensal imundo
Uma mulher mais velha havia cuspido nele, e agora gritava.
- Onde está meu marido, me diga? Ele foi levado para o registro de nascidos trouxas e nunca mais o encontramos, diga-me onde ele está.
Draco olhou perplexo para a mulher trêmula que lhe apontava a varinha. Um grupo de pessoas começou a se reunir em torno dos dois. Ele entrou na frente do carrinho, por mais ilógico que isso pudesse parecer, ele não queria que seu filho testemunhasse isso.
Ele ergueu as mãos em redenção e tartamudeou:
- Eu não sei nada sobre seu marido senhora, eu-
- Esse aí é só um Malfoy, tirando trair os dois lados, eles não fizeram mais nada na guerra. – um homem barrigudo falou, debochado. Várias pessoas riram.
- Ele está casado desde 1999 e só agora que conseguiu um bebê – uma velha de cabelos brancos falou, parecendo muito bem-informada.
- Aquela menina Greengrass deve ter sido forçada na cama dele...
- Coitada – variações disso foi-se ouvida pela multidão, acompanhadas de caras tristes.
- Às vezes era ele quem não conseguia performar – falou outro homem, fazendo as pessoas explodirem em risadas.
- Tia Bella fez muitas cruciatus no seu pau, Malfoy?
Draco sentiu o rosto muito quente e manejou o carrinho para sair daquela situação, ele tinha as bochechas muito rubras e queria amaldiçoar a todos. Pegou, entretanto, a varinha e a deixou em guarda na mão direita.
- Aposto que esse neném não é nem dele, é do Lord Voldemort. – acusou um, mas a menção do Lorde das Trevas foi demais para a maioria, que debandou rapidamente.
Draco conseguiu entrar na loja e se encostou no corredor misericordiosamente vazio, o que lhe permitiu enxugar as lágrimas de raiva que lhe afloraram aos olhos e suas mãos pararam um pouco de tremer.
- O senhor está bem? – perguntou o dono da loja, que havia testemunhado tudo – desculpe não interceder, fiquei com medo deles depredarem a loja, é o primeiro ano que estou completamente no azul desde a guerra e... – ele torcia as mãos, nervoso, claramente não querendo perder um cliente – o senhor quer, er..., ver a nova firebolt? Está com um ótimo preço, a cotação es-
- O senhor pode me fazer um favor? – pediu Draco, mais calmo, e continuou antes que o homem respondesse – pode guardar o carrinho do meu filho? Vou aparatar com ele no colo – ele tirou o bebê adormecido do carrinho e o segurou apertado contra o peito, girando rápido.
Scorpio ainda chorava muito quando ele entrou em casa. Astória estava recostada ao sofá da sala, lendo alguma baboseira trouxa e com a mão enfiada dentro de uma caixa de sapos de chocolate, a lareira estava acesa e ela parecia muito confortável. Mas seu rosto se apertou com o choro que vinha do colo de Draco e ela se levantou, vindo encontrá-los no foyer.
- O que houve, cadê o carrinho de Scorpio? – ela perguntou ao marido, que tinha a testa muito franzida.
- Ele acabou de passar por sua primeira aparatação, acho que ele não gostou muito.
- O papai bobo acabou de te aparatar, foi mesmo? – ela pegou o bebê e se sentou na poltrona, desabotoando o vestido e arrumando o sutiã. Scorpio parou de chorar no mesmo instante. Sua boquinha agarrou o mamilo rosa escuro e sua mão subiu para brincar com a pedra de seu colar, que faiscava colorida.
Draco contou a ela o que aconteceu no Beco Diagonal e ela contou a ele das pessoas que paravam de ser cordiais, até mesmo se negavam a trabalhar com ela quando descobriam de quem era esposa.
- Não quero que ele cresça com esse ódio... – ela lamentou, acariciando o rosto do bebê.
- Nem eu, Tory, nem eu... nós temos uma propriedade na França, parte do dote da vovó Rosier-
-Dote, Draco? - Astória riu
- Dote, Tory, na verdade você foi a primeira mulher em muitos anos a não pagar para entrar nessa família, na verdade, fizemos o contrário com você, - Astória fechou o cenho e ele tentou consertar - o que positivamente é o certo, pois você é de valor inestimável – ele limpou a garganta, quando viu o sorriso que ela tentava esconder – mas em todo caso, você consideraria...
- Sim.
- Mas você teria que sair do seu emprego e eu sei o quanto gosta dele...
- Gosto mais de vocês. – ela deu um sorriso lacrimoso – além do mais, fica mais perto da praia.
- É em Saint-Malo, acredito que o castelo tenha sua praia particular, se não me engano.
- Castelo? – Astória assobiou, baixinho. Draco deu de ombros.
-Acho que você vai gostar muito. Talvez precise de uma reforma..., mas terei que levar a mamãe, você sabe...
Astória deu de ombros e murmurou:
- Nem tudo pode ser perfeito... Talvez eu tenha começado uma nova tradição, sabe?
- Que tradição? – ele perguntou, pegando o bebê meio adormecido de seus braços e chegando seu rosto bem perto de sua cabeça, para que pudesse inalar o cheirinho de leite que ele tinha.
- A tradição de pagar mulheres para que possam entrar nessa família – ela completou, sorrindo, recolocando o seio gotejante dentro da blusa.
- Não o guarde... – murmurou Draco, baixinho, mas ele engoliu em seco e balançou a cabeça.
- Se ele se resolver mesmo com a menina Granger-Weasley...- ela implicou. Ficara sabendo ainda do hospital das brincadeiras que fizeram com o fato de Scorpio dividir o dia com a filha de Hermione e como o marido reagira mal a esses gracejos.
- Você também, Tory? – como esperado, ele se empertigou e fechou a boca de lábios finos em um risco.
- Estou brincando, marido. Também não estou ansiosa pelo dia em que ele irá gostar mais de outra mulher que de mim... – ela fungou.
- Não se preocupe com isso, querida. Teremos centenas de anos para pensar nisso.



Expiação - DrastóriaOnde histórias criam vida. Descubra agora