Visita de Aniversário

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05 de junho de 1999



Molhou as mãos trêmulas na pia acoplada à parede suja em frente a cama, para que pudesse molhar os cabelos e assentá-los. Passou a mão no antebraço, em um tique inconsciente. Lavou o rosto e tentou beliscar as bochechas, sabia que se o visse muito pálido, a mulher iria se entristecer, mas logo desistiu, não havia espelhos na cela para que acompanhasse as feições e era perda de tempo tentar ajeitar o que não se via.

O guarda logo veio chamá-lo e o fez de modo retumbante, assustando-o com seu grito. Engolindo uma réplica mordaz, o homem saiu da cela escura e seguiu o auror, fechando os olhos para a luminosidade artificial que havia no centro de convivências, a luz do sol piscando quando passava pelas travas no teto.

Logo viu sua mãe em uma das mesas e se dirigiu a ela, pressuroso, mas sem ultrapassar o guarda, não queria dar motivos para se repreendido na frente dela.

- Mãe! - lágrimas adejaram o rosto pálido do rapaz, que se esforçou em escondê-las, limpando o rosto agilmente.
- Draco - Narcisa não escondeu as suas, deixou-as escorrerem pelo rosto livremente enquanto beijava seu filho.

Abraçaram-se longamente, a mulher soluçava no peito do homem pálido, que passava as mãos em suas costas, carinhosamente. Quando enfim mitigaram um pouco da saudade que ambos sentiam, sentaram-se nas cadeiras desconfortáveis. A mulher loira estava enojada com o lugar, tão abaixo de sua classe, mas não falou nada. Ela sorriu enquanto apontava para uma grande cesta em cima da mesa.

- Trouxe tudo que você gosta

O rapaz se apressou em olhar lá dentro, gemendo fracamente e deixando o canto dos olhos se apertarem em alegria, pela primeira vez em muito tempo. Comeu com sofreguidão, enquanto ia se inteirando de fofocas e o que mais ia acontecendo lá fora.

- Goyle também está aqui, foi condenado a 5 anos - ela disse - não o viu por aqui?
- Estou em isolamento, lembra-se? Até meu banho de sol é feito em horário diferente. É a primeira vez que converso com outra pessoa desde o julgamento.

Narcisa sentiu os olhos encherem d'água, e uma raiva, um sentimento de superioridade lhe assomou o corpo

- Um Malfoy não pode ter esse tipo de trata-
- Mãe, pare. Foi esse tipo de pensamento que nos arrastou para cá. Nosso sangue puro não nos impediu de passar fome e comer ratos em nossa casa, não nos impediu de sofrermos a cruciatus de nossos "amigos" - ele fez aspas com as mãos – e certamente não fez nada por mim quanto ao meu julgamento. Fazer parte das sagradas 28 e nos julgarmos melhores que todos só nos arrastou na lama - o homem falava baixo, com o desespero nos olhos baixos, fitando o chão- tive bastante o que pensar nesses dois anos sozinho.

A mulher fitou o filho, levemente aborrecida, mas concordava com ele. Precisavam passar essa imagem, mesmo que não a sentissem verdadeiramente.

- É bom que pense assim, filho.
- Eu só quero sair daqui e viver minha vida em paz.
- E eu sei bem como você irá fazê-lo.
- Como?

A mulher se levantou e tirou um último embrulho da cesta e pousou -o na mesa, o rapaz corou ao vê-lo, e sorriu timidamente

- Mamãe...

Narcisa teve um vislumbre da criança que ele fora e teve que secar seus olhos novamente

- Faça um pedido, Draco

O homem fechou os olhos marejados por um segundo, sorrindo para a maravilha de chocolate que havia à sua frente, mas logo seus olhos se desfocaram e seu rosto se fechou, ao lembrar-se que logo teria que voltar à sua cela fria.

- Só mais dois meses, filho - a mulher estendeu a mão por cima da mesa e ele a agarrou, segurando fortemente
- Sozinho, mamãe. Mais dois meses sozinho! Vão parecer dois anos, como os anos que já passei aqui, parecem vinte.

Ele soou como um adolescente mimado que fora e narcisa sorriu

- Quando você sair, recuperaremos o bom nome de nossa família e...
- Como? Sequer terminei a escola, todos os meus amigos me abandonaram, nenhum deles foi ao julgamento, a senhora viu, e Potter e sua corja...
- Shhhhh, fale baixo!

A mulher pareceu nervosa, pela primeira vez
- Não seja ingrato. Ele aliviou muito a sua barra, e a minha, e é só por causa dele que você pegou essa pena menor.
- Pena menor....
- Sim, menor. Seu pai ficará aqui por 15 anos. Provavelmente morrerá aqui

Sua voz se quebrou e ela baixou a cabeça, incapaz de continuar. Ela soluçou por alguns instantes de cabeça baixa, mas logo se ergueu, sendo a grande dama que sempre foi, ajeitou as vestes e continuou, com os olhos vermelhos, mas ainda assim elegante:

- Ainda tenho alguns contatos, quando sair daqui tem um emprego no ministério para você, tive que usar de todos os meus contatos, cobrar todos os favores e ainda assim é um emprego pequeno, indigno, mas você poderá crescer
- Mamãe - o homem não via como isso iria limpar o nome de sua família, provavelmente seria um pária lá no trabalho também
- E se casará no final do ano.

O homem a fitou, perplexo, piscando compulsivamente.

- Arranjei, melhor, comprei uma noiva para você. Bem-nascida e bem-educada, e acho que irá aprová-la
- Quem é? O homem pensou em Pansy, sua namorada de escola, mas se lembrou que ela virou a cara quando o encontrou no ministério, no dia de seu julgamento.
- Quem é?
- Não importa. O importante é que ela concordou. Sua família está na miséria e o ouro dos Malfoy ainda compra muita coisa.

Draco engoliu em seco, quem aceitaria tal acordo?

- Mamãe, eu...
- Fique tranquilo, filho. Eu vou cuidar de tudo.

O homem a olhou longamente, com a boca torcida. Um leve desdém passou por seu rosto. Quis dizer para não se meter em sua vida, que ele sabia cuidar de si, mas sabia que não era verdade. Embora estivesse completando 20 anos, não era um homem feito. Sem o auxílio de sua família não seria nada. Passara os dois últimos anos preso, isolado, sequer podia usar a magia. Esses anos lhe concederam um senso de humildade inaudito, e hoje sabia que a pureza do seu sangue não lhe servia para nada. Escolhera o lado errado da guerra e agora tinha que lidar com as consequências.
Ele então somente aquiesceu, e tentou sorrir. A mulher cortou o bolo e o serviu, acariciando sua mão enquanto o via comer. Logo o guarda passou, fim da visita de aniversário.

Narcisa recolheu os quitutes não comidos, guardanapos, utensílios e os guardou na cesta. Abraçou o homem, que chorava novamente, fingindo uma calma que não sentia.

- Mais dois meses querido, só dois meses. 

Expiação - DrastóriaOnde histórias criam vida. Descubra agora