Capítulo 29 - A Aposta

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tt da autora: awnchickens

tt da fanfic: fireandbloodfic

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Camila

*** The Chillest - Happier Than Ever ***

O feixe de sol entre as cortinas, projetando um retângulo dourado no chão, foi o primeiro sinal de que algo estava errado. O cheiro foi o segundo. Semanas tinham passado sem sinal de tempo firme em Nova York e apenas um lugar no mundo guardava o odor da mistura de comida cubana, cereal na frente da TV às sete da manhã e amaciante.

A escuridão era incompatível com aquele único fio de luz que destacava as partículas de poeira dançando no ar e invadia a fortaleza de solidão que nós tínhamos criado ali dentro. Mas agora, ela estava sempre presente. Como se a nossa vida estivesse afogada nela e se permitir sentir o calor de um dia comum fosse algum tipo de pecado.

Meus dedos descalços brincaram contra as tábuas de madeira e meu corpo estremeceu com a familiaridade de tudo. A poltrona de costas para mim, virada de frente para a porta como sempre ficava quando ela estava na sala. A silhueta contra as sombras do dia que ela se recusava a deixar entrar.

Eu tentei piscar para me livrar da visão que só podia ser uma miragem, mas ela continuava nítida. Imóvel, o olhar pregado na porta como se ainda esperasse que meu pai ou Sofia passassem pelo batente, nos levando de volta para um passado enterrado.

O medo fez o suor nas minhas mãos acumular, assim como as reações naturais de um animal acuado sob uma ameaça iminente.

Era assim que eu me sentia diante dela há um tempo. A mesma pessoa que durante tantos anos tinha sido a minha maior segurança, tinha se tornado a minha pior tortura.

— Mãe. — Eu me aproximei devagar, dando passos cuidadosos e sentindo o meu coração acelerar com o terror que agora ela me causava. — Você precisa comer alguma coisa — eu disse, ainda que a última coisa que eu quisesse fazer era me enfiar em uma cozinha. Cheiro de comida me dava vontade de vomitar. Na maioria das vezes, eu mal tinha energia para sair da cama. — Vou fazer aquele ensopado de carne e legumes que você gosta. Com arroz fresquinho e purê de batata? — a minha oferta saiu em tom interrogativo.

Ultimamente, ela me fazia questionar tudo. Cada escolha, cada tentativa de ato de bondade, cada gentileza, a minha capacidade de ser uma pessoa boa.

Em alguns momentos, ela me fazia questionar até mesmo a minha sanidade. Eu já não sabia mais dizer se estava ajudando ou se só estava piorando tudo.

— Minha filha...minha filha...minha filha não... — por um momento, eu achei que ela estava falando comigo, até perceber que ela não me considerava mais uma filha.

Os sussurros me atingiram como balas. Eu fechei os olhos com força, esperando que tudo desaparecesse quando os abrisse de novo. A cabeça com os cabelos loiros e alguns fios embranquecidos se destacando no topo da poltrona. O corpo se sacudindo de frente para trás com os braços encolhidos contra o abdômen, segurando alguma coisa.

Eu sabia o que era. Um macacão pequeno, branco e rosa, guardado entre tantos objetos que minha mãe guardava da nossa infância. Um pedaço de roupa que tinha sido meu e que, assim como a maioria das nossas coisas, tinha passado a ser dela.

Eu não fazia ideia de quando ela tinha o buscado no fundo de algum armário, mas ele tinha surgido nas suas mãos e parecia ser a única coisa em que ela conseguia se segurar.

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