Capítulo 6 - Instintos

18.6K 1.5K 1.8K
                                    

tt: awnchickens

***

Novembro, 2018

Lauren

— Me vê o de sempre, Ty — pedi assim que sentei no balcão, soltando um suspiro cansado. Ty, o dono e bartender oficial do Lord Jim, concordou e saiu mancando com a prótese metálica que substituía a sua perna.

— Dia complicado? — ele perguntou enquanto preparava o drink, misturando o Whisky, o Vermute* e finalizando o copo com gelo e uma cereja no topo. Ty empurrou a bebida na minha direção e puxou um banco para se sentar na minha frente.

— Dia complicado? — eu repeti em um tom irônico. — Esse provavelmente é o maior eufemismo que já ouvi na minha vida.

Os olhos escuros focaram no meu rosto enquanto me observavam de um jeito pensativo. Suas mãos tatuadas e cheias de anéis se esticaram sobre o balcão. Ty parecia um artista alternativo, um cantor de rap, um pirata, mas poucas pessoas diriam que ele era, antes de qualquer coisa, um bombeiro aposentado.

Há dez anos, o desabamento de um prédio em chamas tinha custado a sua perna e o que restava da sua promissora carreira. Se recusando a sair completamente de cena, Ty tinha juntado suas últimas economias para comprar a loja de esquina que aos poucos se transformara no Lord Jim.

A alguns quarteirões do prédio do Departamento de Polícia, do Batalhão 727 e do Tribunal de Justiça, a mistura esquisita de pub irlandês e bar Nova Yorkino passou a servir como principal refúgio para metade da força policial, dos funcionários do sistema legal e dos bombeiros da cidade.

As fotos nas molduras penduradas nas paredes mostravam um pedaço da história de todos que protegiam, serviam e julgavam. Despedidas de solteiro, finais de campeonato, comemorações de aniversários, nascimento de filhos, anúncio de casamentos e aposentadorias. O Lord Jim era palco de todos esses momentos e Ty o nosso eterno anfitrião.

Mas o mundo inteiro sabia que ele não tinha escolhido servir bebidas caras e comida gordurosa como segunda profissão por ser talentoso na cozinha. O balcão do bar e o pano de prato pendurado no ombro eram só disfarces para o que realmente importava – se manter em contato com oficiais da ativa era o jeito que ele tinha encontrado para continuar fazendo parte das engrenagens que mantinham a cidade funcionando.

Enquanto nós bebíamos, Ty escutava. E enquanto ele escutava, seus ouvidos e sua mente absorviam sua refeição preferida – os detalhes sórdidos do mundo do crime da Big Apple*.

— Como está a menina Cabello? Você sabe que ela não vem mais aqui. Pelo menos, não desde que, bem... — ele hesitou e deixou a frase morrer enquanto eu dava o primeiro gole do Manhattan*.

Meu drink de escolha tinha começado com uma piada idiota nos primeiros meses após a minha mudança para Nova York. Um Manhattan em homenagem a Manhattan, e de repente eu não conseguia mais beber outra coisa.

— Como você acha que ela está? — eu dei mais um gole e respirei fundo. Trabalhar com Cabello estava sendo um tormento.

Não pelas implicâncias idiotas ou pelo jeito que ela insistia em agir como se eu fosse a maior babaca do mundo. Eu estava acostumada com essa parte e, com o tempo, tinha aprendido a aceitar que essa seria a única versão que Camila reservaria para mim.

Eu sabia lidar com isso. Eu sabia lidar com as suas reviradas de olhos e seus resmungos irritados que sempre surgiam como resposta a qualquer coisa que eu fazia. Eu sabia responder na mesma moeda e apertar todos os botões que a deixavam irritada.

Mas eu não sabia lidar com uma Camila tão frágil.  Uma Camila que saía do banheiro com os olhos vermelhos e o rosto marcado pelo choro.

— Vocês vão conseguir dessa vez, Laur — ele disse com um sorriso metálico cheio de dentes de ouro, dando dois tapinhas no meu braço. — E fala para a menina Cabello aparecer por aqui. Estou com saudade daquele rostinho bonito e daquela voz.

Fire & BloodOnde histórias criam vida. Descubra agora