CAPÍTULO 4

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Maddie

Eu estico meu trabalho, ajo sem pressa por medo de voltar para casa. Para casa de Bob, na verdade. Antes era minha casa, o apartamento que eu montei com todo carinho para criar minha família e onde agora sou um peso, um estorvo morando no quarto de empregada.

Posso jogar álcool e botar fogo em tudo. Seria uma boa vingança.

Os pensamentos maldosos me assustam. Evito ligar para minha mãe, não sei o que falar para ela. Como vou voltar a morar na igreja? E ver o meu ex-sogro todos os dias, ver o novo casamento do meu marido e a nova esposa dele grávida? Não, não, eu preciso sumir.

Já passa das 9 da noite, eu sei que em casa vou precisar limpar meu armário e a cômoda, colocar minhas coisas em sacos de plástico e enfiar tudo no quartinho com cuidado para ter espaço para armar a cama dobrável, e isso me deixa com muita raiva. E a raiva me faz muito deprimida.

Então, quando eu coloco a bolsa no ombro, eu tomo a decisão de ligar para a tal Danielle da agência de modelos. No fundo eu acho que não tem ninguém mais no escritório, mas uma moça simpática atende logo.

― Ah, Maddie! Eu ia te ligar daqui a meia hora! ― ela diz. ― Sei que a doutora costuma esticar os horários de atendimento.

― Também é paciente aqui? ― eu sorrio para o telefone. ― Eu te conheço?

― Não, acho que ainda não. ― ela ri baixinho. ― Eu cuido da agenda de compromissos da doutora às vezes.

― Verdade? Você faz agendamento remoto?

― É tipo isso, sim... ― ela fica muda por um momento. ― Você pode vir aqui agora? Falo para Danielle te esperar.

Eu desconfio de novo. O que eu tinha que fazia a tal dona de agência tão interessada?

― Pensei em amanhã de manhã, logo antes de começar aqui.

― Ótimo. ― ela responde. ― Oito da manhã?

― Ok. ― eu respondo.

― Vou te passar o endereço por WhatsApp.

― Obrigada.

― Não mostre nem comente com ninguém.

Eu fico muda.

― Se tiver que se justificar sair cedo, diga que a doutora te mandou fazer exame admissional. ― ela ensina. ― Não vai estar mentindo.

Eu junto as sobrancelhas. ― Não entendi.

― Vai entender amanhã as 8. ― ela diz. ― Até lá.

― Até.

Eu desligo e sigo para casa pensando exaustivamente naquilo.

De tão distraída, eu vou para a igreja ao invés de ir direto para casa. Como Bob era tesoureiro da igreja, sempre fazia a contabilidade do dia enquanto eu ia para os grupos de mulheres para voltar com ele. Era rotina normal e antes de eu trabalhar, não tinha vergonha das outras mulheres.

Entro escondida pela lateral e vou direto para a casa da minha mãe que era um cômodo no telhado, ao lado da caixa d'água. No verão era bem quente, mas de noite a gente podia ver a lua sentadas em cadeiras de praia na laje.

Ela está vendo a novela e se assusta quando eu chego.

― Não sabia que vinha hoje, filha!

Dou um beijo nela e sento no sofá. ― Acho que vou dormir aqui, mãe.

― E Bob? ― ela estranha.

Eu sacudo a cabeça sem falar nada.

― Ele vai voltar atrás, tenho fé nisso. ― ela segura minha mão. ― Basta você fazer um jantar gostoso, vestir roupa bonita e usar perfume. Aposto que vai ficar grávida se agradar seu marido.

Eu atenderia esse conselho há três meses, antes dele pedir o divórcio. Agora não adiantava mais. Evito contar que na verdade, vou é voltar a morar com ela.

― Tenho roupa aqui? ― pergunto para mudar de assunto. ― Amanhã vou ter que sair cedo.

― Deve ter, sim. Lá no fundo do armário.

― Me viro para a TV. ― Essa novela não é antiga?

― No outro canal está passando o noticiário, você sabe que não suporto política.

― Sei, nós nunca vemos nada de política e nunca votamos. ― repito o que ouço desde pequena meio sem pensar. Minha cabeça está ocupada com a dúvida do tal trabalho de modelo. Fotos de roupa?

Coro pensando se seriam de biquini.

Isso não é para mim, eu não sou assim bonita.

O tempo passa devagar até que minha mãe tem que descer para limpar a igreja depois que termina o último grupo de oração no salão principal. Antigamente eu teria sido incluída neste grupo, mas agora que Bob me largou, vários amigos da igreja me deram as costas e só me resta limpar a sujeira deixada para trás.

Quando estou varrendo os restos de bolo que alguém jogou no chão, meu telefone toca.

Eu olho e vejo o nome de Bob. Decido não atender.

Enfio o celular no bolso do vestido e levanto a toalha da mesa para terminar de varrer o chão. No meio da sujeira vem uma nota de uma loja de doces e eu pego para deixar separado, poderia ser importante para alguém.

Meu coração quebra quando leio o que está escrito.

1 torta de morango

100 salgados

100 doces

desenhar a alianças e escrever na torta: Parabéns Anita e Bob

― Canalha safado. ― eu resmungo. ― Mãe. ― eu chamo e mostro a ela.

― Ah, Maddie. ― ela segura a testa. ― Que desgraça. Nem sei quem é essa, não deve ser da congregação.

Eu não respondo.

― Deve ser mentira, Bob não ia te trocar por qualquer uma.

Deixo a nota sobre a mesa presa sob o jarro de flores, termino de varrer, limpo e empilho as cadeiras, faço tudo mecanicamente tentando não controlar a raiva por aquela humilhação. Mas é muito difícil. Seria fácil queimar a porra toda.

Quase não durmo naquela noite.

No dia seguinte eu saio cedo antes de qualquer pessoa chegar na igreja. Tenho vergonha de ter sido trocada, de não engravidar e de ter acredito que Bob era boa pessoa por tanto tempo.

O erro que eu nunca cometiOnde histórias criam vida. Descubra agora