A luz quente de verão era filtrada pelas cortinas azuis da sala, e iluminava a face enrugada, porém muito simpática, do homem na poltrona. Ele balançava um copo de suco, fazendo o gelo tilintar nas bordas. Seus olhos cristalinos fitavam a mesa de centro, para ser mais específico, um barquinho de madeira que estava sobre ela.
Em momentos muito específicos, onde o caos impera sobre a vida e o silêncio dos pensamentos é a única escapatória para a paz, algumas mentes simplesmente desvanecem, levando-nos a trilhar o caminho dos sonhos, porém, acordados. Para Olip, fora quase como se uma memória muito precisa acertasse-o na cabeça.
— Já pensou em ser da marinha?
— Já — O menino entrou no cômodo, carregando uma bandeja de sanduíches de presunto.
O garoto franzino pôs um sanduíche num prato e entregou-o ao velho, depois sentou-se no tapete, fitando o próprio copo de suco ao lado. Ele tinha os cabelos bagunçados, o menino, mas a roupa parecia indicar que fora a algum evento. Não tinha mais sapatos nos pés, mas as meias brancas, já encardidas, continuavam ali.
— Você daria um marinheiro muito bom.
— Já disse isso — Disse com a boca cheia.
— Porque é verdade, seu esfomeado — O velho permitiu-se comer um pedaço, tendo dificuldade de engolir pela ausência de dentes — E o que está fazendo sentado aí no chão frio? Vai pegar uma pivocondria!
— Uma o que?
— Pivo-Pivoconvia.
— Pneumonia?
— Isso!
Olip bebeu todo o suco no copo, servindo-se de mais um sanduíche. Fitou rapidamente o quadro de um monte esbranquiçado.
— Queria ser alpinista.
— Aqueles caras que fabricam pinos?
— Não! Queria escalar montanhas. Deve ser muito legal e perigoso.
— Ah! Perigo é vir um tubarão e comer metade da sua mão! Isso é perigo!
— Isso nunca aconteceu com o senhor.
— Mas aconteceu com um amigo meu!
Olip percebeu algo diferente na feição enrugada de seu avô, havia algo estranho, como se as cores da luz desbotassem a pele. Fitou ao redor, percebendo que tudo estava se desbotando, murchando. A luz que vinha da janela desapareceu, imergindo os dois em uma escuridão completa.
— Vô? — Perguntou, temeroso.
E então, desse sonho tão real, que não necessitou do descanso do corpo, o menino despertou por conta de uma explosão ao longe. Percebeu que estava debaixo de uma barreira de madeira, entre barris e baús, com os joelhos encostados no peito, na penumbra da balaustrada.
— Eu sei que está sendo difícil, Dalton, não precisa diss—
— Eu cuido disso, Pávrio — Olip viu o cartógrafo, o homem de vermelho, conversando com um outro tripulante.
Olip percebeu que Dalton não parecia bem. Sua postura e sua voz aparentavam extremo cansaço. A face carregava uma feição apática, como um ser morto ou sonolento.
— Tripulação do Cartelam! — Olip o ouviu gritar — Continuem trabalhando! Continuem atirando! Informe ao Porta-Botas que o capitão exige um bloqueio de nossa embarcação! Porta-Botas à Boreste! Agora!
Dalton varreu a embarcação, até que os olhos recaíram sobre Olip. O cartógrafo avançou para o menino, desviando das multidões de homens e mulheres de largura desproporcional. Agora o homem estava à frente do menino, pontuando as feições cansadas da face com um ar de dúvida.
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Além da Coroa e do Nevoeiro [CONCLUÍDA]
AdventureO que a perda de um ente querido pode causar a um ser humano? Olip Maut, um menino de 12 anos, precisa lidar com as consequências da morte de seu melhor amigo, e enquanto isso, Olip irá trilhar um caminho por um mundo inteiramente novo e, por ve...