Capítulo 18: Aqui

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— Como você tem estado? — A voz de Thomas recortou o silêncio ao redor da fogueira.

Estavam sentados ao chão, na terra fria, observando o fogo crepitar sob uma panela de cozido. O cheiro pairava pelo ar como o aroma mais convidativo do mundo. Dalton não tinha notado o quanto estava faminto até o momento.

— Sobre o que? — Dalton soou mais rouco do que pretendia. Seus olhos amendoados notaram que Thomas fazia pequenos ziguezagues com um graveto.

— Sobre tudo.

— Bem, podemos começar pelo fato de que estamos em território desconhecido...

— Não é exatamente disso que quero falar.

— Então, o que é?

O silêncio constante que caminhava pela paisagem apenas lhes davam um sentimento de paz, de calmaria, de sonolência. Enquanto uns se preparavam para um descanso, Dalton enxergava aquela paz com outros olhos, como se estivesse enfim no olho do furacão, e o pior apenas estivesse por vir. O cartógrafo tateou os bolsos, retirando de um deles aquele mesmo instrumento que estudara por anos, o pequeno artefato levemente enferrujado que usara inúmeras vezes. Abriu a tampa, fitando a agulha girar ensandecida.

Dalton franziu o cenho.

— Podia jurar que ela havia ficado boa a algumas horas atrás.

— Ela ficou boa? Você viu? — Thomas pareceu transbordar de curiosidade agora.

— É. Antes de chegar aqui. Eu resolvi parar e descansar, chequei novamente a bússola e ela havia se normalizado.

— Então... você teve chance de fugir.

— O que?

— Das sombras. Elas interferem no funcionamento das bússolas. Você vai querer que elas continuem assim. — E então apontou para a agulha que rodava freneticamente. — Se ela se normalizar, é um sinal de que as sombras estão por perto.

— E o que fazer?

— Você corre.

— Elas são rápidas?

— Eu era cozinheiro. Até se elas fossem da velocidade de tartarugas, me alcançariam.

Dalton sorriu, voltando seu olhar para as lascas queimadas que saltavam da lenha na fogueira. Sentiu o estômago roncar novamente.

— Quando o capitão escreveu aquela carta... — Thomas falava com seriedade agora. —E quando Romeno nos contou, achávamos que você não estaria no embarque. Na verdade, tínhamos quase certeza de que você não apareceria. Mas... por algum motivo, você chegou. Quando Pávrio me deu uma cotovelada, eu quase não acreditei. Eles disseram "O vermelhinho não vai aparecer". Mas você apareceu... Dalton, por que você apareceu? Você tinha permissão para ficar em casa, tinha permissão para tirar alguns dias de folga... por que você embarcou no Cartelam, naquele dia?

Os olhos amendoados do cartógrafo já não mais se permitiam desviar o olhar do fogo. As chamas abraçavam a lenha como garras vermelhas e trêmulas. Estavam perdendo a força.

Por que embarcara naquele dia? Por que não ficou em casa? Por que resolveu aparecer?

Dalton demorava a responder, não porque Thomas havia trazido à tona um ponto difícil e intragável.

Na verdade, o cartógrafo não conseguia explicar.

Não conseguia entender.

O sentido de dever o fizera embarcar no Cartelam?

Estava ansioso para participar de uma guerra contra o exército inimigo?

Sentia que aquela era sua chance de provar para o capitão de que ele era capaz de ocupar um cargo de liderança?

Além da Coroa e do Nevoeiro [CONCLUÍDA]Onde histórias criam vida. Descubra agora