Capítulo 20: A perda

1 0 0
                                    

Haviam deixado a clareira alguns momentos depois do nascer do sol. Eles desceram a trilha da clareira e perceberam que, à medida que prosseguiam, as árvores tornavam-se mais esparsas e o caminho, mais iluminado.

Berno ainda segurava junto a si sua arma, e Olip, sua bússola.

— Ainda estamos seguros. Nenhum sinal das sombras. — Disse Olip.

A terra escura com grama alta deu lugar a um caminho claro, com uma mistura de terra e areia. Ao redor, as árvores pareciam aumentar de cumprimento, mas se afastavam do caminho, entretanto, não enxergavam muito além da mata à frente. Não haviam ainda avistado nada próximo.

— Slim, você... estudava? — Perguntou, Olip.

— Sim. Meus pais se mudaram para uma nova cidade, então eu iria começar a estudar em uma nova escola.

— Eu nunca mudei de escola. Agora que vamos sair da ilha—

— Olip, ainda não temos certeza disso. — Disse Berno.

— Você pode começar uma nova vida na mesma escola que eu. É legal que depois disso tudo eu também vou começar uma nova vida. Acho que vou te apresentar para o Remi. Ele é meu amigo também.

— Ah, é? — Slim perguntou com um sorriso, enquanto afastava um galho da altura dos olhos.

— É. Acho que uma nova vida seria legal para todos nós. Não acham que é muito melhor recomeçar do que simplesmente esquecer?

Berno e Slim preferiram não responder.

— Mas, é, uma nova vida. Estou pensando até em começar a tocar algum instrumento. Já ouviram falar na flauta?

— Você acha que somos burros? — Berno perguntou, com tom humorado.

— Eu tocava gaita no restaurante do centro da minha cidade. Meu pai me levava lá sempre que recebia o salário do mês. Lembro que minha mãe chegava um pouco depois, pois trabalhava no hospital. O pessoal gostava bastante, e eu também. Era bem divertido.

— Seus pais costumavam ouvir você? — Perguntou, Olip.

— Bem... sim? Eu acho que sim. As vezes eles ficavam tão atarefados em algumas coisas, que o diálogo ficava bem difícil. Mas sempre que podiam, nós passávamos a noite conversando... — A voz de Slim começava a se sobrepujar ao barulho dos estalos das folhas. — Mas, por que a pergunta?

— É que eu acho que os meus não me escutam direito. — Disse Olip.

— No fundo, no fundo, os pais nunca nos escutam. — Disse Berno.

— Acho que depende. — Disse Slim. — Bons pais querem o nosso melhor, mas... muitas coisas atrapalham.

— Por mais que eu não fosse ouvido, eu gostava do meu pai. Ele sempre fazia o melhor cozido de pato de toda a região. Também jogávamos carteado, e outras coisas que minha mãe não poderia saber.

— Não ser ouvido é algo comum, então? — Perguntou, Olip.

— Às vezes você é ouvido, as vezes não. Isso não é o fim do mundo. — Disse Slim. — Hey, como está a bússola?

Olip fitou novamente o instrumento. Nada fora do normal.

— Olhem só, vocês estão se lembrando! Não é algo ruim a se fazer, viram? — Disse Olip.

— Eu nunca disse que era ruim. — Disse Berno. — Só acho... sei lá, desnecessário.

— Mas você lembrou que jogava carteado. — Disse Slim.

— Cala a boca, cabelo de algodão amarelo.

Os meninos continuaram o caminho até chegarem à uma abertura, uma planície. Abruptamente a linha de árvores pararam ali, e então um grande campo verdejante se apresentava sob um sol ensolarado. Berno e Olip comemoraram, mas Slim não.

Além da Coroa e do Nevoeiro [CONCLUÍDA]Onde histórias criam vida. Descubra agora