Capítulo 4: História é chato

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Olip, no jogo "guerra naval", sempre vencia seu avô, quando o homem se prestava a jogar algumas horas com o neto irritante dele.

Lembrou-se da vez em que havia perdido na guerra naval. Naquela vez seu avô não zombou dele, não muito, mas foram tomar sorvete. Na verdade o avô não gostava de sorvete, mesmo assim pediu um de pistache.

— Isso é horrível!

— O que?

— O sorvete verde.

— Mas por que é horrível?

— É a coisa mais doce que eu já provei nessa vida! Eu vou morrer de diabetes.

— Por que pediu esse, então?

— Achei que fosse gostoso.

Não foi a diabetes que o matou, fora o coração mesmo, um infarto fulminante. Ainda era algo que ecoava na cabeça de Olip. Seu avô era um velho saudável, ninguém estava pronto para aquilo, embora todos dissessem ao menino que é na velhice que os cachorros iam para o céu dos cachorros, e não enterrados no quintal de casa.

No caso, não fora no quintal de casa, fora na Floresta Martin Pernê, um cemitério cheio de árvores e jardins. Ele não gostava de flores, mas gostava de filmes. Olip dera a ideia de enterrá-lo debaixo do Pipoca e Ação, um cinema da cidade local, mas eles odiaram sua ideia e optaram por um lugar cheio de flores e árvores bobas.

— Como estão indo suas notas... no internato?

— Não é um internato, vô. É só uma escola normal.

— É, é, isso. E aí?

— Estou na média — Mentiu.

— Ótimo, ótimo. Melhor assim que pior. E seus amigos? Como estão?

— Sei lá, acho que bem.

— Ótimo então.

A porta do aposento rangeu logo atrás, e então uma mulher de cachos longos e amendoados cruzou os arcos da porta, sendo acompanhada de um homem de altura mediana.

— Oi pai. Bom dia. Olip fugiu de novo — Ela apontou de forma acusatória os olhos no filho — Obrigado por nos avisar.

— É, vamos conversar com ele em casa — Disse o homem.

Olip correu o olhar de seus pais para seu avô, com uma expressão de dúvida e desconfiança.

— Contou para eles?

O velho sorriu.

— Não.

Estes pequenos fragmentos de memória, quando chegam à superfície da mente, apenas revelam os medos, desejos e anseios mais puros de um coração. Olip continuava a agarrar-se ao desejos da volta, da nostalgia, do passado e da antiga alegria. Recusava-se a aceitar, com todas as forças, o sentimento amargo que crescia em si, o pensamento que o orientava a soltar a corda, mas não queria, e nem iria. Quanto mais prendia-se à corda, com mais frequência as memórias retornavam, e cada vez mais vívidas.

— Ai! — O menino abriu os olhos, sendo acertado pela luminosidade do dia.

Sentiu algo espetar-lhe o pulso. Ergueu seus os olhos ao céu, vendo a sombra de um pássaro sobrevoar em círculos logo acima. Sua parte de baixo tinha penas cinzas, entretanto, em cima suas penas eram brancas. Retornou os olhos para a embarcação, fitando uma mancha escura na lateral do barco. Sentiu uma segunda beliscada, porém agora em sua cabeça, e instintivamente sacudiu os braços para enxotar a ameaça que ele ainda não havia identificado. Ao abrir os olhos, viu a mesma pomba voltar a sobrevoar sua cabeça.

Além da Coroa e do Nevoeiro [CONCLUÍDA]Onde histórias criam vida. Descubra agora