Capítulo 19: O corvo albino

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— Sempre sou eu! E sempre será!

Um estrondo ecoou.

Um menino, com os fios castanhos grudando na face, atravessou a sala correndo, com uma bandeja de prata na mão. Passou pelo carpete verde limão e depositou, sobre a mesa de madeira escura, a prataria. O cheiro de origem do leitão aromatizava toda a casa. Acima, o menino ouvia os passos eufóricos no segundo andar, e ao fundo, ouvia talheres e copos tilintando.

Havia sido um dia com clima agradavelmente fresco. O vento farfalhou pelo mato a todo o tempo, e por vezes, assobiou por entre os galhos do bosque. Era outono, e a vegetação inteira havia adquirido uma tonalidade dourada, e por isso era a estação favorita de seu pai.

— O que ele vai dizer? — Um menino franzino, de cabelos castanhos cacheados, e olhos amendoados, apareceu no primeiro degrau da escada, eufórico.

— O de sempre.

— Aaaaah! Ele vai brigar comigo. A mãe vai brigar comigo! Você tem que fazer alguma coisa!

— Você precisa começar a assumir suas responsabilidades. — O maior pôs o sapato sobre um banquinho de madeira e os amarrou novamente. — Só sei que eu vou pintar o barquinho.

— Ah, mas eu queria pintar também!

— Se não tivesse gastado o dinheiro com doce, talvez a mãe não ficaria tão brava.

— Aaaaah! Não é justo! Eu quero pintar o barquinho também, poxa!

— Elton, você precisa começar a assumir suas responsabilidades.

— Você é o mais velho! Você tem que fazer alguma coisa!

O maior sentiu a sala distorcer sob sua visão, como se estivesse sendo sugada para um cano apertado. As cores quentes da tarde externa adentraram a sala de jantar, e agora tudo misturava-se num amontoado de cores e borrões. A imagem correu sob seu olhar, e então sentiu os pés baterem com força sob um piso de madeira desgastado.

As cores outonais deram lugar às frias, como o verde musgo nas paredes, e o azul do carpete, no chão. Agora estava numa sala, com móveis de madeira e estantes cheias de livros. Parecia que sua visão se escurecia gradativamente, para acostumar-se com cada detalhe e objeto.

Notou que suas mãos haviam crescido, e os sapatos simples que estalavam sobre o piso de casa foram trocados para sapatos maiores e encerados. Percebeu que sua roupa também havia mudado, e agora utilizava uma blusa branca de botões, e uma calça preta de tecido sintético.

Notou que o relógio em seu pulso marcava dez da manhã, e não cinco e meia, como era antes.

Os sons retornaram de forma gradativa, e agora o menino ouvia uma voz monótona, que parecia abafada.

— ... compreende, Sr. Lerman?

Do lado oposto à poltrona em que o menino estava, havia uma porta de madeira, com uma pequena cortina branca que cobria a janela. As vozes vinham de lá.

Dado alguns minutos, a porta se abre e de lá saem dois homens e um menino. O menino olhava para os pés, um dos homens prosseguia para outra porta, enquanto outro, continuou parado junto à porta com cortina.

O homem próximo à porta com cortina é o diretor. O menino maior conseguia lembrar-se dele. O diretor tinha uma pequena expressão de cansaço na face, mas decidiu sorrir singelamente para o menino maior, antes de bater à porta. O segundo homem, que vinha à frente do outro menino, parou próximo do maior.

— Você deveria ter feito alguma coisa. — Disse o homem, e então abriu a porta da sala. — Vamos. — E conduziu os dois meninos para fora.

A visão se distorceu mais uma vez, e então o menino maior notou as mãos aumentarem mais um pouco, a roupa ser mudada, e as cores novamente se misturarem no ambiente.

Além da Coroa e do Nevoeiro [CONCLUÍDA]Onde histórias criam vida. Descubra agora