Seu tom de voz se sobrepujou ao dela. Não colocou Lise para dormir, e muito menos fizera o jantar. Tateou com pressa suas chaves e saiu para a noite fria, sobe um céu escuro e sem estrelas. Caminhou, quase que sem direção, até um local onde todos se encontravam na cidade. Um pequeno restaurante malcuidado, onde as mesas eram pouco iluminadas, e cada canto tinha sombras palpáveis. Não se lembrava muito do que havia acontecido, apenas se lembrava das sensações. Lembrava-se da raiva, a ponto de explodir, e do grito entalado em sua garganta.
— Está vendo algo daí de cima? — Ouviu a voz do faiscante logo abaixo.
Retornou de seus devaneios e percebera que sim, via algo descendo uma grande colina, uma cidade bem grande e, até o que parecia, populosa.
Havia um porto bem grande, com inúmeros barcos e navios atracados.
— Sim. Logo abaixo desse monte tem uma cidade.
— É Milven. Tome cuidado.
O faiscante continuava em seus passos mais lentos possíveis, enquanto Dante continuava com seu voo monótono.
Eles continuaram rumo à entrada da cidade, onde o faiscante passou pelos portões de uma grande muralha de tom arenoso. De cima, Milven era quase que uma cidade grande, cheia de focos de comércio com vendedores dos mais variados. Também havia restaurantes, hotéis e templos. Parecia que de fato aquela ilha era algo gigantesco, muito maior do que Dante acreditava ser.
Dante decidiu se aproximar um pouco mais da cidade para vê-la, ver sua pluralidade e ouvir sua voz. As ruas eram feitas de um tipo de material branco, mas já estavam sujas com manchas cinzas em todos os lugares. Existiam casas pequenas e as que tinham dois andares, com muxarabis nas janelas e portas de madeira escura.
Dante acompanhava o faiscante atravessar ruas e mais ruas abarrotadas de pessoas, comerciantes, músicos e outros tipos de artistas. Pessoas vestidas dos mais variados tons de roupa, usando chapéus estranhos e as vezes extravagantes. O homem atarracado e abarrotado de bolsos tentava cruzar caminho com multidões e mais multidões de pessoas.
Milven parecia ser de longe a cidade mais diferente de todas, cheia de gente, e de gente diferente fazendo coisas diferentes. Entretanto, algo que lhe chamou a atenção fora uma prática que vira muito em Roan. Por onde quer que passasse, encontrava focos de revolta. Porém, o que Dante havia visto, em Roan, era muito menor comparado ao que via agora em Milven.
Esses muros vazios tornavam-se um local propício para placas agressivas, grupos revoltos e pessoas segurando estacas.
Ao cair do dia Dante continuava a sobrevoar a cidade, seguindo pelo alto o faiscante, que fazia algumas entregas em locais grandes como lojas, hospedarias e grandes casas.
Sentia algo eriçar suas penas. Por uns instante comovera-se e quase chorou, mas não sabia o motivo. Era como se toda a cidade emanasse uma aura melancólica, triste, abatida e soturna, mas ao mesmo tempo disso, as tochas, lanças e estacas se erguiam ao céu com ferocidade.
De certa forma, o clima triste o fazia lembrar-se cada vez mais de suas memórias ruins, dando-lhe com mais frequência flashes de lembranças.
Vlad apontara o dedo ossudo para uma massa de homens que caminhavam pela cidade, ao entardecer. Eles carregavam um homem corpulento. Está morto ou só desacordado? O faiscante lhe informara que aqueles eram homens ruins, um grupo de assaltantes e sequestradores muito temíveis. A maioria deles usavam roupas bem rasgadas, mas o que lhes destacavam nas vestes eram as armas, facas e facões presos em cintos. Havia um outro homem com eles, vestido de vermelho, como um oficial de guerra muito antigo. Esse homem carregava numa das mãos um capacete pomposo, também vermelho. Em sua farda, um brasão de águia estava estampado.
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Além da Coroa e do Nevoeiro [CONCLUÍDA]
AventuraO que a perda de um ente querido pode causar a um ser humano? Olip Maut, um menino de 12 anos, precisa lidar com as consequências da morte de seu melhor amigo, e enquanto isso, Olip irá trilhar um caminho por um mundo inteiramente novo e, por ve...