Capítulo 3: Aonde corre o rio da solidão?

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Aquilo fez um genuíno arrepio percorrer por todo o corpo de Olip.

A baixa luminosidade fazia com que todo aquele aglomerado de coisas se camuflasse no céu noturno, como um grande buraco no céu, dando visão direta para o espaço sem estrelas.

A nuvem escura tapou a lua, e então o rapaz pôde ver a luz cruzar caminhos pelas frestas que constantemente se abriam no centro e nas pontas da nuvem. A luz pálida clareava as milhões de formas que se cruzavam e se entrecortavam, e fora então que ele pôde entender o porquê destes navios chamarem-se de poleiros.

A nuvem não era feita de um tipo de fumaça, e muito menos de alguma gosma desconhecida. Os pássaros formavam imagens no céu, se aglomerando como uma mancha mais escura que a noite.

"Rápido, esfreguem este extrato como se suas vidas dependessem disso!" Mordrogue, um tripulante alto, com uma barba vermelha, gritava. Olip viu alguns tripulantes derramarem um óleo dourado pelo convés e nas muretas, corrimões e outras estruturas. Segundo um outro tripulante, falcões e corvos odiavam.

Olip percebeu que uma segunda nuvem se erguia no céu, tão densa quanto a primeira. Estava do lado dos Nárlos, sobrevoando suas embarcações.

Uma flauta tocou em algum lugar no Cartelam, e então a nuvem acima dos Álos se dispersou, mas logo se reagruparam novamente, obtendo uma nova formação. Eram agora pequenos anéis, como se rotacionassem em si mesmos.

Uma outra nota tocou, mais aguda, e então as formações caíram, à altura dos Nárlos. Os anéis transformavam-se em flechas, arrancando e perfurando velas, levando armas, bandeiras e tripulantes Nárlos aos céus.

Agradeceu o líquido gosmento âmbar que era esse extrato de papoula, pois pouquíssimos eram os pássaros que desciam rasantes até o Cartelam. Um falcão chegara a colidir com o ombro despreparado de Olip, e o solavanco quase derrubou-o ao convés.

— Afastem-se! — Olip ouviu alguém gritar.

Uma explosão, que sacudiu as águas e os navios, criou uma rajada de vento que o acertou. A única coisa que o rapaz fizera fora se abaixar, recostar a face ao assoalho molhado e imaginar o que estava acontecendo. O tiro da bala de fogo sacudiu o Cartelam, dando um solavanco à toda embarcação. O cheiro de fumaça e cinzas se elevou pelo ar.

Tudo o que via era apenas a mureta e o assoalho, mas fora apenas se levantar que pôde perceber, aos poucos, o que estava acontecendo.

Uma das embarcações dos Nárlos desmoronava como um cubo de açúcar. As velas queimavam com velocidade, e um estrago, como se um cometa tivesse passado, atravessava a embarcação.

Os Álos vibraram. O estrago que a bala de fogo causara fora uma demonstração do poder bélico dos aliados. A tripulação rapidamente se recompôs e recarregou a bala de fogo. Rapidamente a bala fora solta no ar. Um cometa cruzou o céu caótico. As nuvens de pássaros se dispersavam a medida com que a bala se aproximava dos Nárlos.

Acertou o meio de uma das embarcações que, Olip julgava, ser onde o capitão Nárlo estava. A bala cruzou o navio, com facilidade, arrancando as tábuas e abrindo caminho até chegar no mar.

— Capitão Soley! Fuga!

— Lancem os barcos!

— Vamos!

Olip vira um homem baixinho, vestido por completo de vermelho e branco, correr do convés para os fundos, acompanho de alguns outros.

Os Álos pareciam ter toda a vitória nas mãos. Já comemoravam, lançando aos céus suas mãos, gritando e vibrando, entretanto, Olip, e pelo visto Dalton também, notaram um brilho prateado ao longe, numa das embarcações dos Nárlos. Um sentimento gélido o alcançou, e parecia que somente dois dos Álos haviam visto isto.

Uma última saraivada flamejante partia do Cartelam, iluminando a água com dezenas de pontos dourados, mas o menino não se prestava a ver, pois seu olhar encontrara o de Dalton, e, ambos em silêncio, pareciam conversar sobre a mesma coisa. Podia ouvir as engrenagens chiando na cabeça do cartógrafo. O menino então o viu correr para o meio da embarcação, subir num caixote e se pôr na visão de todos.

— Evacuem o navio! Evacuem agora!

— Por quê? — Thomas apareceu.

— É, por quê? Estamos ganhando! — Mordrogue disse.

— Vai atingir o Cartelam! Todos vamos morrer! — Dalton apontou para uma embarcação, bem ao longe.

Levou alguns poucos minutos para compreenderem a situação.

— Meu Deus — Um dos tripulantes, usando uma luneta, fitava a então embarcação.

— Achei que somente nós tivéssemos esse armamento — Disse um tripulante.

— Bem, já sabem o que fazer. Evacuem este navio, pois com certeza será acertado! — Disse Dalton.

— E se não for?

— Então, voltaremos para ele.

Iniciou-se um pandemônio para que todos chegassem aos barcos. Olip ouviu um assobio gradativamente se intensificar, podendo ver um arco flamejante caindo sobre o convés do Cartelam. As flechas cravaram-se nas tábuas, mas alguns dos tripulantes já vinham a apagar as chamas.

O menino sentia-se confuso. Não sabia o que tinha que fazer. Se partisse dali, para onde iria? Quão longe de casa estava agora? Com quem iria viver?

Olip não tivera mais chances de vislumbrar o que acontecia no lado oposto, pois logo que sentiu o fogo se aproximar de seu pé, Dalton o agarrou e levou-o para os fundos do navio, onde alguns barcos pequenos permaneciam.

Ele encaixou sem dificuldades o menino lá, que nem tentou protestar.

E quando Olip faria uma última pergunta, algo pior explodiu alguma coisa. Não soube dizer o que fora, nem o culpado. As tábuas foram todas para o céu, e um solavanco no casco permitiu com que o pequeno barco de Olip caísse em direção às águas. Uma segunda explosão ocorreu, e o impacto acertou seu barco, fazendo Olip colidir de cabeça com a parte da frente, empurrando seu barquinho para longe. Muito longe.

Além da Coroa e do Nevoeiro [CONCLUÍDA]Onde histórias criam vida. Descubra agora