Capítulo 16: Uma espada de dois gumes

1 0 0
                                    

O cartógrafo de tempos em tempos era levado a pensar na tripulação, nos seus amigos de guerra e de mar. Pensava no capitão ferido, sangrando, nas flechas cruzando o céu enquanto ardiam em fogo, nos milhares de falcões rodopiando sobre o mar e o tiroteio explodindo dos dois lados. A guerra iniciava, os confrontos eram tramados, cada um fazia sua parte e, às vezes, até a dos outros, e depois, todos retornavam, cansados, mas com uma sensação de dever cumprido, de tarefa realizada, finalizada.

Mas isso nunca mais aconteceria, porque provavelmente estavam todos mortos agora.

Dalton já havia se feito acreditar nisso, e a se acostumar à essa ideia, mesmo assim, era intragável. Passara anos ao lado destes mesmos homens, e agora, não conseguia imaginar um futuro em que não estivesse ao lado deles. Alguns podem dizer que a emoção de uma guerra é pura fachada, mas não, quando corre-se risco real de vida, os que lutam ao seu lado tornam-se muito mais que amigos, são sua família, seu pai, seu irmão, seu sobrinho e tio. Qualquer baixa importa, e qualquer vitória é um jubilo.

Agora, Dalton encontrava-se num grandioso impasse. O que fazer daqui em diante? Quem eu serei? Ainda sou um cartógrafo? Ainda sou Dalton, o cartógrafo Álo do Cartelam? Ou sou apenas Dalton, o naufrago? Ou, pior, apenas Dalton, o homem sem família e sem identidade?

A caminhada levou algumas horas, mas não tinha algo mais a perder, era somente ele agora.

Dalton continuou a avançar na mata fechada, porém logo notou que gradativamente ela se abria. Os troncos e barreiras de árvores começavam a tomar distância uma das outras, e quando olhou para o chão, notou que um caminho começava a serpentear as árvores. Inspirou, sentindo-se fraco e cansado. Parecia que havia andado quilômetros, e por mais que o sol não estivesse em seu auge, o cartógrafo parecia sentir a luz queimando suas costas.

Continuou a seguir o caminho e, mais alguns metros à frente, percebera que as árvores começavam a sair do caminho, e a estrada de barro tornava-se larga e mais reta.

Ao erguer os olhos, notou que havia chegado a uma outra clareira, entretanto, o que viu fez seu coração se emocionar. Vira frutas dilaceradas para todos os lados, troncos cortados, uma fogueira apagada, gravetos derrubados e bandeiras penduradas.

Numa delas lia-se: "Queime a coroa e o castelo tirano".

Em outra: "A comida ou o rei, nossas vidas ou a dele".

Tocos de madeira de carvalho se encontravam por todos os lugares, alguns mais largos que outros. Uns tinham manchas de queimadura na superfície, e outros, apenas talhos e cortes.

Dalton se aproximou, lentamente, em direção ao centro da clareira, aonde uma fogueira se encontrava completamente apagada. Tocou a lenha e viu que não estava quente. Provavelmente quem esteve ali já havia partido a muito tempo. Mas por que partiram? Alguma ameaça? O mar? Inimigos ou animais selvagens?

Dalton já nem mais se importava. Vasculhou o acampamento, mas nada de valor havia ficado para trás. Sentiu uma pontada de pânico escalar as costas. Como iria encontrá-los novamente?

Quando pensava dar meia volta e retornar para a casa da velha mulher, reparou, num dos troncos cortados, uma série de entalhes na madeira. Não era apenas acidente, era uma mensagem.

O cartógrafo se aproximou do tronco para poder ver a mensagem gravada provavelmente com alguma coisa bem afiada, como talvez uma faca.

"Para Leste".

Dalton encontrou uma passagem por entre as árvores, indo para a direção que havia lido.

Inúmeros pensamentos passaram-lhe pela cabeça, como se aquilo fosse uma emboscada, ou se a ilha fosse território dos Nárlos, ou se todos já estivessem realmente mortos, ou se aquela velha mulher fosse uma mentirosa...

Além da Coroa e do Nevoeiro [CONCLUÍDA]Onde histórias criam vida. Descubra agora