capítulo 4°- "ela cresceu, né?"

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Terror.

Acordei com a porra do rádio apitando sem parar,indicando que já era hora de voltar a 'trampar',de novo. No relógio marcava sete horas da manhã.

Levantei e joguei água no rosto para despertar,o que não deu muito certo,dado que eu estava mortão,tá sendo punk carregar tudo isso nas costas. Resolvi logo tomar um banho para poder ficar ligadão,porque se não, eu ia olhar para aquela cama e ia querer voltar pra ela novamente.

Fiz minha higiene matinal de todos os dias,saindo do banheiro com a toalha enrolada na cintura. Catei do guarda roupa uma cueca branca da calvin klein,uma bermuda jeans rasgada e uma blusa preta qualquer e joguei no ombro.  Passei perfume pelo o corpo,porque o pai tem que andar sempre bem perfumado,né? elas amam.

Peguei um revólver e coloquei preso atrás, no cós da cueca e não fiz questão de vestir a blusa por cima,deixei ela jogada no ombro mesmo, todo mundo sabe que os bandidos aqui andam todos armados e não seria logo eu,que não andaria.

Desci na cozinha e percebi que dona Benedita ainda não havia chegado. Ela é a senhora mais responsa que eu conheço,trabalha comigo tem toda a minha vida,desde que minha mãe ainda era viva,ela já estava aqui. Foi a minha babá e agora é o mais próximo do que eu tenho de família,se preocupa comigo de verdade e me têm como um filho,assim como eu tenho como irmão o Felipe,que é filho dela e meu braço direito. Sei que nele eu posso confiar de olhos fechados.

Dona Benê sempre deixa algo pronto para que eu posso comer quando ela ainda não está,ou quando ela vai embora. Dentre muitos os cafofos e mansões que eu tenho espalhado pelo o Alemão,esse é o que eu mais gosto,devido ser aqui que minha mãe e Dona Benê me criaram. Óbvio que não está mais igual,eu mandei que reformassem pois dado ao tempo precisava. Não fico sempre aqui, não posso dar bobeira,porque é justamente aqui o primeiro lugar que vão procurar quando está tendo invasão. Por isso deixo roupas, armas e maconha, espalhadas por todas as minhas casas,mas aqui não,somente se eu estiver usando no momento.  Pois aqui é a principal,onde dona Benê trabalha,onde de verdade eu me sinto em casa. Na verdade a favela toda é minha casa,eu amo tudo isso aqui e conheço como a palma da minha mão. Foi o que a minha mãe me deixou. Mas não sei se tomar a frente do Alemão era o que ela de fato queria para mim ,afinal,tudo que uma mãe quer,é o melhor para os filhos,e com a minha não foi diferente. Mas como eu poderia largar mão de tudo isso aqui? Tudo isso que é tão meu,minha casa,meu lar.

Imaginem um coração! É assim que eu vejo a favela onde vivo, o Complexo do Alemão, como um grande coração que bate através das artérias que levam a cada segundo o “sopro de vida” a ele, ou seja, os becos. - Aah todos esses becos.
Tão característicos de uma favela, é nele que a vida acontece, fazendo pulsar esse grande coração. Ele é o caminho, o ponto de partida e chegada, o local de encontros e despedidas, o ponto de referência, o abrigo ou o caos, para quem é de fora, um labirinto.

São vivos, se desmembram em outros, que se tornam novos becos e assim se espalham como um galho de árvore onde a partir do primeiro, se ramifica, porém, como as águas de um rio que buscam o mar, eles sempre nos levam a uma rua principal dentro da favela. Muitas vezes para chegar ao meu, eu passo por vários outros, conversando com os vizinhos na janela, com as crianças brincando, ou acompanhado pelo latido dos cachorros por trás dos portões ou ainda, ao som do funk, de pagode, do forró, ligados às vezes no último volume em uma casa ou outra, quando não, em várias.  Os becos cantam, sacou? Eles são importantes para o nosso dia a dia,porque através deles acontecem às conexões de vida.

Você conhece quem mora no mesmo beco que você, o chama pela janela, conversa de dentro de casa aos gritos, ou também aos gritos você ouve uma mãe chamar um filho para comer, botar um chinelo, descer da laje ou fazer um favor: “Ô fulano, cadê você, vai botar um chinelo, garotoooooo! Vai à rua comprar um refrigerante!”

Entregue A Um Traficante Onde histórias criam vida. Descubra agora