Minha cabeça doía quando eu acordei. Isso era normal, acontecia duas ou três vezes durante a semana. Provavelmente essa deve ter sido a única coisa que eu me acostumei desde a notícia do câncer.
Hoje eu teria ter o tratamento novamente, seria às dez horas então eu teria a tarde toda livre. Na verdade, vou passar o resto do meu dia lendo alguns livros que deixei de lado por um tempo e talvez agora eu esteja pensando em voltar a ler apenas para passar a tarde.
Olho para as três mensagens que minha mãe me mandou. A primeira era perguntando como eu estava, logo aproveitando e questionou do tratamento. E depois falando que iria levar uma torta que eu gostava na sexta.
Meu pai me manda mensagem uma ou duas vezes só para me perguntar se eu estou bem ou se eu preciso de algo. Já me acostumei com essa parte também porque ele fica sem graça comigo, até entendo pois é triste me ver nessa situação. Com a droga do meu câncer de pulmão.
Logo também vejo a mensagem de Lamar, ele me mandou uma foto do seu novo video-game e disse que iria trazer no fim de semana para podermos jogar. Seria muito bom.
Vejo o horário em meu celular e percebo que era nove e meia da manhã, fiz a minha higiene pessoal e me olhei no espelho. Eu precisava cortar o cabelo, mas não sei quando isso iria acontecer.
O hospital me deixava sair uma vez por mês para eu ir em qualquer lugar que eu pudesse ou até na casa dos meus pais. E eu já saí esse mês, então meu novo corte de cabelo ficaria para o mês que vem, e isso não falta muito.
Fiquei me encarando muito tempo no espelho e quando olhei para a tela de bloqueio do meu celular, eu precisava sair para o tratamento. Por mim, eu ficaria aqui até que eu morresse, mas isso não iria acontecer no momento. Então, eu teria que fazer o tratamento, não tenho escolha.
Saio do meu quarto e ando pelo corredor. Hoje estava vazio para uma quarta-feira, o que eu achei suspeito, mas acho que aqui sempre tem aqueles dias vazios onde não tem ninguém.
———— Ei ———— me viro quando escuto alguém me chamar.
Não acredito. É o garoto que esbarrou em mim ontem, o garoto que vive sorrindo e não parece ser triste em nenhum momento. Que droga ele queria comigo?
———— O que foi?
———— Acho que você está fazendo o mesmo tratamento que eu.
Dei de ombros. Acho que ele estava tentando puxar papo comigo por algum motivo. Nunca falei com nenhum paciente desse andar, essa seria a primeira vez.
———— Legal.
———— Posso te fazer companhia, se quiser.
———— Não preciso de companhia. ———— digo.
———— Você é aquele tipo de garota que se faz de difícil?
Eu ri.
———— Não me faço de difícil. Eu sou difícil, é diferente.
Entrei na sala para o tratamento e me sentei em qualquer uma das poltronas. Desde que aquele menino ficasse longe de mim, estava ótimo.
———— Deixa eu tentar adivinhar, você é copo meio vazio?
———— Meio? Completamente vazio. Já você deve ser copo meio cheio.
———— Totalmente cheio. ———— ele sorriu.
Não consigo entender como uma pessoa com câncer de pulmão e que está fazendo o mesmo o tratamento que eu, consegue sorrir tanto. Era como se ele estivesse fingindo, de uma forma horrível, é claro. Ou talvez o transplante dele deve estar chegando e provavelmente está feliz com isso.
———— Como eu posso te chamar?
Penso três vezes se eu deveria falar o meu nome a um paciente totalmente desconhecido que não para de sorrir que nem um maluco que ganhou na loteria. E eu acabo escolhendo não contar, é literalmente minha primeira vez falando com alguém além de funcionários. Se ele souber meu nome, as chances dessa informação ser contada para todo mundo desse andar eram enormes.
———— Eu não vou falar meu nome para um paciente que eu nunca falei na vida. ———— revirei os olhos.
Nunca troquei uma palavra com esse cara em toda minha vida e ele pensa que eu vou dizer meu nome na nossa primeira conversa? Não sou difícil mas também não sou idiota.
———— Então, eu falo meu nome para você.
———— Não precisa. Eu não me importo com isso. ———— peguei meu fone ———— Eu só quero ouvir a droga das músicas da Dua Lipa enquanto faço essa merda de tratamento, que não vai adiantar porra nenhuma já que todo mundo que tem câncer nessa merda de vida morre.
Suspiro fundo. Não consigo acreditar que eu falei isso, eu devia ter calado a boca e apenas ter pegado meu fone para ouvir música. Mas eu preferi me irritar com esse cara. E tanto faz, talvez eu queira saber o nome dele, mas não vai mudar nada na minha vida sendo que eu posso morrer hoje, amanhã ou daqui a dez anos, mas não vale a pena lembrar o nome dele se vamos morrer.
É, eu sou uma pessoa bem negativa.
———— Gosta da Dua Lipa?
É sério que ele me perguntou isso? É um babaca mesmo.
———— Claro, é a melhor cantora de todos tempos. Você deve ser daqueles que escuta Queen ou qualquer coisa que tem na hora.
———— Por que acha que esse tratamento não vai adiantar em nada?———— questiona mudando totalmente para um assunto que poderia causar uma Terceira Guerra Mundial dependendo do que eu respondesse.
———— Porque meus últimos dois tratamentos só foderam com o meu pulmão. Provavelmente esse vai acabar me matando.
———— Você só fez uma vez esse tratamento, como pode ter certeza que não vai dar certo?
———— Como.. como sabe que fiz somente uma vez?
Acho que ele trabalha na máfia e deve estar aqui para se fingir de paciente. Talvez ele queira me matar. Existe tantas possibilidades.
———— Porque vi você sair dessa sala antes de eu esbarrar em você.
———— Esbarrou em mim de propósito? ———— cruzei os braços.
———— Claro que não. Eu estava animado.
Claro que ele estava animado. Ele é uma versão masculina da Poliana. Provavelmente na nossa próxima conversa, ele me ensine a jogar o jogo do contente.
Tive uma conversa interessante com esse garoto, mas eu acho que não faria isso de novo. Nossa conversa acabou durando as duas horas do tratamento, eu acabei que nem escutei minhas músicas.
Saio da sala e me virei. Não sou tão babaca ao ponto de não me despedir, mas eu não pretendo ter outra conversa com essa.
———— Ainda não sei seu nome.
———— E vai continuar sem saber.
Ele riu.
———— Eu sou o Bailey.
———— Seu nome é bonito, parabéns. Ainda vai ficar sem saber meu nome.
———— Tudo bem, copo vazio.
Bailey me deu um apelido. Com que permissão ele fez isso?
———— Tchau, copo cheio.
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ʟɪᴠɪɴɢ ᴀ ʟᴏᴠᴇ ɪɴ ᴛʜᴇ ʜᴏsᴘɪᴛᴀʟ
FanfictionTer câncer de pulmão aos quinze anos e ter que morar em um hospital podem ser as piores coisas na vida de Shivani Paliwal. Ela é uma garota que já perdeu todas as esperanças possíveis de se livrar do câncer por conta dos últimos transplantes terem...