006| what a shame

738 51 73
                                    

Barcelona, Espanha
ᶠᵉᵛᵉʳᵉⁱʳᵒ ᵈᵉ ²⁰²²

PABLO GAVI

É inverno. As noites na cidade estão cada vez mais geladas. Os bares fecham mais cedo e as pessoas procuram lugares quentes para se abrigar. E eu congelava ao caminhar de volta para casa. Cheguei por volta de meia noite, segurando as lágrimas e tentando não fazer barulho. Aurora estava em casa.

Larguei as chaves em qualquer lugar e subi para o meu quarto. A porta da minha irmã estava entreaberta, provavelmente ela me esperava acordada. Mas eu não queria conversar, não agora.

— Pablo. — ela chamou.

Porém a garota pareceu ignorar minha tentativa de passar reto.

— Onde você tava? Fiquei preocupada, você não atendeu as minhas ligações e.. — Aurora vem atrás de mim, se escorando no batente da porta.

— O celular descarregou, desculpa. — digo ainda de costas, rezando para que ela saísse dali logo e não percebesse a minha voz embargada.

Não foi o que aconteceu.

— Ei.. — ela toca meu braço, fazendo eu me virar.

Minha irmã com certeza reparou nas lágrimas que se formavam em meus olhos, eu não conseguia mais suportar a dor. Ela me puxou, me envolvendo em seus braços, como costumava fazer quando eramos pequenos e eu ficava de castigo por aprontar algo.

— Me conta o que tá acontecendo, não gosto de te ver assim. Quem te fez mal? Foi alguém do time? Se quiser eu vou la bater neles. — ela diz, me fazendo sorrir.

— Não tem nada a ver comigo, Aurie. É o Ferran. — sinto meu corpo estremecer.

— O que esse serzinho aprontou dessa vez?? — ela pergunta, acariciando meu cabelo.

— Ele tá passando por uma situação muito delicada e não tá sabendo lidar com isso. — soluço.

— As vezes é necessário passar por isso para retornar mais forte.

— Ele tá se drogando, Aurie.

Bastou isso para que eu desabasse no colo da minha irmã. Seus braços ainda estavam a minha volta, me abraçando cada vez mais forte. Ela é meu refúgio, não sei o que seria de mim sem a Aurora.

— Meu bem, não fique assim. Nós vamos arranjar uma maneira de ajuda-lo, eu vou. Pare de se culpar por isso. — ela respira fundo.

— Eu não quero perdê-lo.

— Você não vai, eu não vou deixar. Mas por favor, não tire o foco de tudo o que está conquistando agora. É só uma fase para o Ferran, ele vai ficar bem.

— Mas e se ele não suportar, Aurie? — ergo os olhos para poder encará-la.

— Não existe "e se", Pablo. Lembra de quando éramos pequenos, que o papai e a mamãe estavam fora e o Nilo comeu nosso chocolate? — questiona, me fazendo lembrar de nosso antigo cachorrinho.

— Nós ligamos desesperados para eles, mas eles tinham dito que não era pra nos preocuparmos, o veterinário ia cuidar dele. — continuo.

— E não foi o que aconteceu? — ela pergunta novamente, com um pequeno sorriso surgindo em seus lábios.

— Você tá comparando o Ferran com nosso cachorro? — pergunto confuso.

— Bem.. não exatamente.

— Ele morreu dois meses depois, Aurora. — digo soluçando ainda mais.

— Ai Dios mio, não não. Por favor, esqueça isso. — diz desesperada, tentando concertar o que havia feito. — Pense no nosso peixinho que sobreviveu a um choque.

— Você só tá piorando. — agora ao invés de chorar, eu estava sorrindo em meio as lágrimas.

— Ferran vai ficar bem, eu mesma cuidarei disso. — ela deixa um beijo no topo da minha cabeça e sai do quarto, me deixando sozinho.

Isso não tá acontecendo.

•••

LEANNA MARTÍNEZ

Acordei com o barulho ensurdecedor do despertador, não me lembrava de ter colocado tão alto assim. Só de lembrar que terei que limpar toda a bagunça de ontem junto com o Gavira, perco uns 10 anos de vida. Eu faria de tudo pra não ter que passar por isso.

Depois de tomar meu café da manhã, abri meu laptop para poder ler alguns e-mails e jobs, ser modelo não é um trabalho tão fácil. Liguei para minha assessoria pedindo para desmarcarem todos os compromissos dessa semana. Se vou fazer isso, que seja pra valer.

Do lado de fora da casa, Pablo me esperava com uma mangueira numa mão e uma pá na calçada. Ele estava verdadeiramente empenhado pra isso.

— A Cinderela é mais pontual que você. — ele comenta, olhando algo no celular.

— Dá um tempo, eu tô atrasada há uns 5 minutos só. Aliás, achei que no seu mundinho cinza não existissem princesas. — tiro sarro dele, pegando a pá que estava ao seu lado.

— As pessoas podem surpreender. — ele me encara, guardando o aparelho e dando a volta para pegar uma outra pá que estava por ali.

— Tá legal, como vamos fazer isso? — pergunto, olhando-o de cima a baixo.

Posso dizer que estou me sentindo uma mera camponesa. Ele estava usando um samba-canção florido e uma camiseta preta. Enquanto uma regata branca e um shorts jeans era tudo que eu tinha.

— Você limpa o seu lado e eu limpo o meu. — ele diz sem prestar muita atenção.

— Ai que chato. — ligo o registro sem que ele percebesse, molhando grande parte de seu corpo.

— Maldita. — esbraveja, me molhando também.

— Você é tão previsível. — digo rindo, enquanto jogo a lama que se formava ali, nele.

— Para de agir como uma criança atentada. — ele segura minha mão rindo e me puxando pra perto.

Foi tudo muito rápido, não consegui raciocinar o momento exato, mas estávamos rolando no chão. A lama que antes estava só no piso e no Gavira, agora estava por toda a parte, incluindo nossos rostos.

Gavi se levantou, me puxando para que eu levantasse junto, mas sem sucesso. Acabamos escorregando novamente no chão molhado e caindo na grama. Agora além de terra, água e areia, tínhamos grama em nossos corpos.

— Por Dios. — Pablo desiste de lutar, se deitando ali mesmo.

— Acho que a gente como uma equipe é só desastre. — comento, me virando pra ele.

— Talvez seja porque não somos uma equipe. — ele se levanta.

Ainda apoiada com os cotovelos na grama, observo o garoto andando até onde estava o registro e desligando-o.

— Sejamos breves aqui, não viraremos amigos por causa de uma semana de trabalho em conjunto. — ele me encara, me puxando para que eu ficasse de pé.

Que bom que sabe, Pablo.

Depois de muito esfregar e juntar o pouco que restou de areia e terra, estávamos guardando as coisas em seus devidos lugares, acredito que por aqui, acabamos.

— O que é? — pergunta, encarando meu braço.

— Uma tatuagem. — digo como se fosse óbvio.

— Sim, mas o que quer dizer? — ele continua, encarando a cobra que estava desenhada ali.

— É um autorretrato seu. Espero que tenha gostado da homenagem.

𝙈𝙄𝘿𝙉𝙄𝙂𝙃𝙏 𝙍𝘼𝙄𝙉, pablo gavi.Onde histórias criam vida. Descubra agora