Barcelona, Espanha
ᵃᵇʳⁱˡ ᵈᵉ ²⁰²²LEANNA MARTÍNEZ
Gavi ainda me segura pelo braço, o aperto forte o suficiente para me lembrar que já fomos longe demais. Tia Alice permanece em silêncio, o rosto virado, mas posso ver a raiva e o medo fervendo sob sua expressão endurecida. Ela não vai ceder, não depois disso. Só que agora, mais do que nunca, precisamos das respostas que ela está escondendo.
— Me solta, Pablo — digo, a voz cortante. Ele hesita por um segundo, mas logo me solta. Seus olhos, normalmente calmos, agora estão carregados de preocupação. Sei que ele entende o peso desse momento tanto quanto eu, mas ele ainda tenta manter a compostura.
— Isso não vai levar a nada — ele murmura, dando um passo para trás, as mãos levantadas como se estivesse se afastando de uma bomba prestes a explodir. — Precisamos pensar em outra abordagem.
Eu suspiro, tentando acalmar o turbilhão dentro de mim, mas a frustração é insuportável. Caminho em círculos pela sala, cada passo ecoando a tensão que sinto. As palavras de Tia Alice ficam repetindo na minha mente: "Isso não é da conta de vocês." O que ela está escondendo, e por que acha que pode decidir o que devemos ou não saber?
Finalmente, paro diante dela, mantendo uma distância segura desta vez. Pablo está certo, não posso forçar as coisas, não com Tia Alice. Mas não vou desistir.
— Olha, Tia — começo, tentando soar mais calma do que me sinto. — Nós não somos inimigos. Você sabe disso. Mas você disse que estamos em perigo. Todos nós. E precisamos entender o que está acontecendo para nos proteger. Para proteger você também.
Ela não responde de imediato, mas vejo um pequeno tremor em seus lábios. É um sinal, ainda que sutil, de que minhas palavras estão penetrando a armadura que ela levantou. Mas o silêncio dela é agonizante.
Gavi, percebendo a oportunidade, se aproxima, mas com cuidado.
— Alice, você não precisa carregar esse peso sozinha. Se há algo que possamos fazer para ajudar, precisamos saber o que está acontecendo. — ele fala em um tom suave, quase conciliador.
Tia Alice pisca, como se estivesse lutando contra as lágrimas, mas não cede. Em vez disso, ela sussurra, a voz baixa e quebrada.
— Não é só a verdade que machuca. É o que vem depois... quando tudo desmorona.
Essa frase fica no ar, carregada de significados ocultos. O que quer que esteja por trás dessa história, sei que não será fácil de lidar. Mas também sei que, de alguma forma, temos que chegar ao fundo disso.
Pablo e eu trocamos um olhar rápido, um entendimento silencioso de que, por enquanto, não há mais nada a ser feito. Mas isso não significa que vamos desistir. As peças desse quebra-cabeça estão aqui, espalhadas por entre as palavras não ditas de titia. Só precisamos descobrir como encaixá-las.
De repente, o garoto olha para mim com aquele brilho nos olhos que só aparece quando ele tem uma ideia. Ele se aproxima, a voz baixa para não atrair a atenção de Tia Alice, que ainda está perdida em seus próprios pensamentos.
— Sei que não vamos conseguir mais nada dela por enquanto — ele murmura, olhando de relance para a tia. — Mas há outro lugar onde podemos procurar respostas. O quarto da Cecília.
Sinto um arrepio ao ouvir o nome da minha tia avó. Cecília, que agora está em coma, sempre foi tão reservada quanto a própria Tia Alice. Há algumas semanas que ela está assim, e ninguém entende exatamente o que aconteceu. Mas se há algo que Cecília sabia e que Tia Alice não está nos contando, talvez esteja escondido no quarto dela.
— O quarto dela? — pergunto, tentando entender aonde ele quer chegar.
Pablo assente.
— Sim, eu me lembro que minha mãe contava que ela nunca foi de deixar as coisas à vista, mas talvez haja algo escondido, alguma pista sobre essa mulher, sobre o que realmente aconteceu com ela. Se alguém soubesse de algo, seria Cecília.
Eu hesito por um instante, o peso da ideia me puxando para trás. Invadir o quarto da tia cecília parece uma traição, mas, ao mesmo tempo, sinto que é nossa única chance de descobrir a verdade. E se há algo ali que pode nos ajudar, precisamos encontrar.
— Você tem razão. — digo, finalmente. — Precisamos vasculhar o quarto dela. Mas temos que ser cuidadosos. Se Tia Alice descobrir o que estamos fazendo...
Ele acena com a cabeça, entendendo perfeitamente o risco.
— Não acho que ela vá fazer alguma coisa, mas você tá certa.
Com isso decidido, sei que não há mais volta. Vamos em busca das respostas, não importa o que encontremos no caminho.
Subimos as escadas em silêncio, cada degrau rangendo suavemente sob nossos pés. O coração batendo forte no peito, a ansiedade misturada com uma estranha expectativa.
A porta do quarto da tia Cecília está fechada, e por um momento hesito, a mão pairando sobre a maçaneta. Pablo me lança um olhar de encorajamento, e então, com um leve movimento, giro a maçaneta e empurro a porta.
O quarto dela está exatamente como ela o deixou, um retrato congelado no tempo. A luz fraca do poste que entra pela janela ilumina o ambiente de forma suave, quase acolhedora. Mas há uma sensação pesada no ar, como se o quarto guardasse segredos que deveriam ter permanecido enterrados.
Pablo começa a vasculhar com cuidado, abrindo gavetas, mexendo nos livros e objetos pessoais. Eu me aproximo do guarda-roupa, abrindo suas portas de madeira escura e iluminando com a lanterna.
As roupas de Cecília estão penduradas perfeitamente, cada peça organizada por cor. Mas algo no fundo do armário chama minha atenção: uma caixa de madeira antiga, com entalhes delicados na tampa.
— Aqui — chamo Gavi, que se aproxima rapidamente.
Abro a caixa com cuidado, virando a lanterna em sua direção, revelando uma pilha de fotos, amareladas pelo tempo.
As primeiras mostram Cecília mais jovem, sorridente, em lugares que reconheço — o parque, a praia, nosso bairro. Mas conforme vou folheando as fotos, algo diferente começa a aparecer. Outra pessoa ao lado dela.
— Quem é essa? — Pablo pergunta, pegando uma das fotos.
O sangue gela nas minhas veias quando vejo a resposta. A mulher ao lado de Cecília é a mesma que Tia Alice tentou desesperadamente evitar mencionar. A mesma mulher que, segundo ela, é perigosa e capaz de destruir todos nós. Mas o que é ainda mais chocante é a maneira como Cecília e essa mulher aparecem nas fotos.
Em uma, elas estão de mãos dadas, sorrisos cúmplices no rosto. Em outra, trocam olhares intensos, como se fossem mais do que amigas. E então, a última foto que vejo, aquela que Pablo segura com mãos trêmulas, mostra algo inegável: Cecília e essa mulher se beijando em um lugar isolado, como se tivessem medo de serem vistas.
— Elas eram... um casal? — sussurro, sem acreditar no que estou vendo.
Ele não responde de imediato, os olhos fixos na imagem. O choque é palpável, mas também há outra coisa ali — compreensão. De repente, várias peças começam a se encaixar, como se finalmente estivéssemos descobrindo a verdade por trás do mistério.
— Isso explica tanta coisa... — ele murmura, mais para si mesmo do que para mim.
Mas antes que possamos processar o que acabamos de descobrir, o som de passos ecoa pelo corredor. Alguém está se aproximando do quarto. Olho para Pablo, os olhos arregalados, e sem pensar duas vezes, ele guarda as fotos na caixa e a coloca de volta no armário. Fecho a porta do guarda-roupa rapidamente, tentando fingir que nada aconteceu.
Quando a porta do quarto se abre, Tia Alice está lá, a expressão dura e desconfiada mesmo no escuro. Ela nos encara, os olhos passando de mim para Pablo, como se soubesse que estamos escondendo algo.
— O que vocês estão fazendo aqui? — ela pergunta, a voz baixa, mas carregada de ameaça.
Pablo abre a boca para responder, mas eu sei que não importa o que digamos, ela já sabe que estamos mexendo onde não devíamos. O que ela não sabe, é que agora, nós também temos segredos para guardar.
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𝙈𝙄𝘿𝙉𝙄𝙂𝙃𝙏 𝙍𝘼𝙄𝙉, pablo gavi.
RomanceLeanna sempre sonhou em expandir seus horizontes além das fronteiras de Madrid. Criada em Barcelona pela tia-avó quando criança, ela retorna à vibrante cidade com a esperança de impulsionar sua carreira de modelo e escapar dos negócios opressivos de...