Coração Pirata

Capítulo 3

Março de 2019

Meu vestido ameaça se levantar enquanto corro pelo cais.

Já ofegante, tento ir mais rápido. Estou tão atrasada. Esse tipo de comportamento não vai pegar muito bem para mim. Droga.

Um grunhido de alívio me escapa quando avisto Meratriz.

Tropeço em meus próprios pés nas escadas, mas não caio. Chegando ao corredor, ouço vozes.

— A pontualidade deveria ser um dos critérios a serem seguidos por um bom comandante. — Ouço a voz de Bruce — A falta dela, me diz muito sobre a futura capitã de vocês.

Reviro os olhos, entrando no escritório.

— Sinto muito pelo atraso, mas alguns de nós não temos o privilégio de ter um pai que cuide de todas as nossas merdas.

Me surpreende até que Bruce tenha vindo no lugar de seu pai. Já que, da última vez que verifiquei, Sir Francis ainda comandava a família Drake.

Todos os presentes se voltam para mim.

— Olha a boca, Anne Morley! — Emma me repreende.

Suspiro e me viro para Bruce. Consigo ver a luta que ele trava em seus olhos, provavelmente pesando as consequências de como poderá responder ao meu insulto.

— Tudo bem, eu já sei que Anne tem uma personalidade difícil.

Personalidade difícil? Argh.

Faço um grande esforço para não o xingar e me sento na poltrona do canto esquerdo.

— Agora que estamos todos aqui, — Emma olha para mim — podemos começar a reunião.

— Do que se trata isso mesmo? — Pergunto já que fui avisada de última hora.

— Sir Drake faleceu, Anne. — O quê? — Bruce, como novo chefe de seus negócios, não quer continuar com essa... — ela faz um gesto com as mãos —inimizade. A favor, iremos entrar em um consenso.

— Ora, então ele estendeu a bandeira branca? — Digo antes que possa me conter.

Vejo o canto da boca de Bruce se curvar em visível censura.

— Querer a paz não deveria ser subentendido como covardia, mas já que você não tem discernimento do assunto em questão... — ele faz uma pausa dramática — pouparei meu tempo de tentar prová-la do contrário.

Meu lado adolescente rebelde assume meu corpo quando uma vontade imensa de mostrar a língua para Bruce aparece.

— Não consigo decidir entre você ou Benjamin para pior capitão. Família abominável...

— Se você falar mais alguma coisa, eu vou pedir... ou melhor ordenar que se retire.

A vontade de ser mais desrespeitosa ainda desaparece instantaneamente assim que vejo o olhar fulminante da minha mãe que está totalmente concentrado em mim e um calafrio perpassa pela minha espinha.

Abaixo minha cabeça.

— Continuando... — Emma limpa a garganta — Quais são seus objetivos? — Ela se volta para Bruce.

Exploro o escritório com os olhos. Emma está sentada atrás da grande mesa de cerejeira, com os cotovelos sobre ela. Bruce está sentado à sua frente. Liam e Henry, serviçais da minha mãe, estão em pé perto da porta. Imagino que estejam aqui como
uma escolta, para o caso de a reunião ser uma armadilha.

— Eu tomei o cuidado de fazer um contrato. — Bruce desliza um papel sobre a mesa para minha mãe — Deixarei que você tome o tempo necessário para lê-lo com prudência e, assim, cogitarei aceitar suas possíveis mudanças.

Eu não sou burra, entendo porque minha mãe quis que eu viesse aqui hoje.

Ela quer que eu aprenda a cuidar de seus negócios para quando não estiver mais aqui.

— Irei fazê-lo, obrigada.

Bruce acena com a cabeça e se levanta.

— Confesso que mesmo que você ainda seja jovem, tem perspicácia para gerir negócios — Emma sorri.

Ele, então, se volta para mim.

— Bem, agora eu não tenho mais o privilégio de ter alguém para cuidar de todas as minhas merdas.

Engulo em seco, enquanto Bruce se despede e sai da sala.

— O que aconteceu com você hoje? Eu preciso que esteja presente nas reuniões e aprenda a se comportar como uma líder, não como uma pirralha! — Emma passa seus indicadores pelas têmporas e inspira fundo — Apenas saia da minha frente, agora!

Me levanto imediatamente e saio tão depressa que quase tropeço em meus pés de novo.

Entro no meu quarto e bato contra a porta fechando-a. Deixo meu corpo deslizar até estar no chão. Não chore. Não chore.

Era de se esperar que eu já estivesse acostumada com o tratamento frio da minha mãe, mas acontece que eu não estou. E não acho que irei algum dia.

***

Uma dor se infiltra em meus músculos. Abro os olhos e percebo que estou no chão.

Devo ter adormecido em algum momento. Levanto-me com calma sentindo todos os efeitos ao dormir de mal jeito.

Entro no banheiro, retiro o vestido do dia passado e tomo uma ducha demorada. Escovo os dentes e visto a primeira vestimenta que encontro no guarda-roupa. Saio para o café da manhã. Espero que Emma não esteja mais irritada comigo.

A vejo sentada à mesa com o, que imagino, ser o contrato de Bruce em mãos.

— Bom dia — arrisco um sorriso.

Ela tira seus olhos do papel um minuto e agradeço por seu olhar estar mais ameno, mesmo que não me responda.

Vou até a cafeteira e faço um pouco de café para mim. Enquanto espero-o ficar pronto, pego uma torrada na mesa.

— Bruce quer um acordo de distância entre os Morley e os Drake — minha mãe se pronuncia de repente.

Pego minha caneca com o desenho da princesa bela lendo um livro e despejo o café nela.

— E isso é bom, não é?

— Sim. Eu já cansei das brigas patéticas entre nossas famílias. — Ela faz um balançar de dedos — Frederic Morley que se entenda com o seu passado, não tenho nada a ver.

Frederic foi a cabeça por trás desse confronto familiar. A raiz disso se deve ao fato de que Agnes, sua esposa, teve um caso com o bisavô de Bruce. Assim que Frederic descobriu, não poupou tempo para acabar com a vida do amante da sua amada. Ele até pendurou a cabeça de Bartolomeu, como símbolo do que aconteceria com quem o desrespeitasse. Claro que isso foi entendido como um gesto de guerra. Muitas mortes. E tudo por amor.

— Pegue uma caneta para mim, irei assinar — minha mãe pede.

Vou até ao porta canetas e retiro uma de tinta preta, levando-a até Emma. A vejo rabiscar seu nome na linha pontilhada, enquanto termino de bebericar o líquido preto.

— Leve isso a Liam. — Ela me entrega o papel — Ele tratará de levar o contrato assinado para Drake.

Acordo firmado, então. Suspiro e deixo a cozinha, fazendo o que ela pede.