Capítulo 16

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Janeiro de 2021

É incrível a capacidade que as pessoas têm de usar qualquer tipo de desculpa para dar uma festança. Principalmente a minha mãe que está fazendo uma neste exato momento e eu nem sei o motivo.

— Suzzy, eu quero ficar no meu quarto — resmungo para minha governanta, que está arrumando meu cabelo em um coque alto.

Mesmo que minha mãe tenha sido a encarregada pela minha alfabetização, ela me fez ler todos os livros da biblioteca, eu ainda tive Suzzy, que me ensinou desde matemática até aulas de etiqueta e uma conjugação perfeita de verbos em latim, além de ser como uma babá convencional para mim, mesmo que eu não seja mais uma criança, zelando por minha saúde, alimentação e higiene pessoal. Como se eu não pudesse me cuidar sozinha, como se eu fosse uma frágil princesa. Chega a ser entediante e sufocante às vezes, como se minha mãe não confiasse em mim e eu não possa me ver livre, sempre precisando de alguém por perto, me vigiando e com o medo constante de eu possa, em algum momento, fugir. Apesar disso, eu ainda gosto muito da minha aia.

Já ouvi uma coisa ou outra sobre outros lugares do planeta, onde se ter uma governanta, é exclusividade de famílias de alto poder aquisitivo, ou então, de marquesas, e não somos nem uma coisa nem outra, bom talvez a primeira, desde que somos piratas, o que implica que todos os saques e pilhagens a navios e cidades costeiras, nos renderam poderes e riquezas. De uma forma nada conceitual, admito. Mas é o que é.

— Sabe que sua mãe nunca permitiria isso, aliás, seria bom você se divertir um pouco, não acha? — Suzzy diz, de repente.

Tento me lembrar o que eu havia dito. Ah, claro.

— Prontinho — ela, então, termina o meu penteado.

Deixo meus olhos vagarem pelo meu reflexo no espelho. Não ficou nada mal.

— Não estou no clima, preferiria ficar aqui, lendo — eu sempre prefiro.

— Não, querida. Aproveite sua juventude enquanto há tempo... — reviro os olhos, diante do seu mais frequente discurso — eu não aproveitei e olhe só para mim, estou fadada a viver esta miserável vida, sem chances de poder mudá-la.

— Quer dizer que cuidar de mim torna a sua vida miserável? — Faço o mesmo olhar de melancolia que sempre faço, sou ótima na arte da dramaticidade.

Vejo seu rosto se contorcer em arrependimento, possivelmente repensando seu uso de palavras, como sempre a faço fazer.

— Me desculpe, querida. Não foi isso o que eu quis dizer. Apenas... se divirta, antes que atinja a minha idade — seus lábios finos se curvam um pouco, numa tentativa de um sorriso calmo.

Apesar de seus sessenta anos, Suzzy não tem uma aparência que faça jus a sua idade. As marcas de rugas em seu rosto não são tão visíveis e ela mantém seus cachos loiros. Ela está sempre tão arrumada e se eu já não soubesse, chutaria que ela tem quarenta.

— Você está pronta para descer — ela dá uma batidinha no meu ombro.

Murmuro algo inútil que, claramente, é ignorado, antes de sair do quarto, arrastando meus brilhantes saltos prateados com tiras finas pelo assoalho de madeira maciça. Não ouso discordar que mamãe tem um belo casarão no vilarejo e é onde estamos agora. Ela é praticamente inteira feita de madeira, rústica, aconchegante e muito espaçosa, com cômodos exagerados demais para o meu gosto. A maior casa de Sheepfyeld.

Encosto-me no balaústre do hall superior e aprecio, do alto, o salão de festas. Como o restante da construção, ele é feito de madeira, mas vidros se espalham por toda a área, desde o chão até o teto, como uma bela caixa de vidraças. Há um espaço no canto esquerdo reservado para os músicos, normalmente violoncelistas, pista de dança no centro e uma cozinha independente do lado direito. O ambiente acomoda umas cento e quarenta pessoas, de boa. Porém, neste momento, não tem nem metade dessa quantidade ainda, mas já é perceptível uma movimentação de saias de vestidos e solados de botas arrastando pelo piso.

Coração PirataOnde histórias criam vida. Descubra agora